sábado, 17 de maio de 2014

«…o avental todo sujo de ovo.» - Por Cecílio Elias Netto


«…o avental todo sujo de ovo.» - Por Cecílio Elias Netto 

 Para idosos, a orfandade de mãe é ainda mais dolorosa. A saudade de um colo onde se abrigar torna-se necessidade.

 Um fradezinho santo – velho confessor de doentes e moribundos – contava-nos da agonia final dos enfermos. E dizia que – nos últimos momentos e se ainda podiam balbuciar algo – eles diziam, quase todos, uma só palavra: mãe. E ele, o fradezinho, nunca conseguiu saber se era alegria do reencontro ou um apelo final, um pedido de ajuda e de socorro.

 Não ousaria, eu, opinar a respeito desse momento final misterioso e solitário de nós, humanos. No entanto, penso em mim mesmo, imaginando-me naquele último instante mágico. Como seria se eu, então, ainda pudesse ver algo ou algo falar? Ver, penso que já vi – ou foi um delírio? – quando minha mãe nos deixou. Médicos haviam-na declarado inconsciente, finalmente derrotada pelo câncer contra a qual lutara durante quase dois anos. Haviam-lhe previsto apenas três meses de vida. Tanto ela amava vida que dominou a morte por todos aqueles longos e longos meses.

 Revezávamo-nos em sua vigília. E aquela noite foi a minha vez. Fiquei ao lado dela, na penumbra, vendo-a imóvel como se dormisse. O fiapo de vida revelava-se na leveza da respiração. Ela estava bela, abatida mas bela. E acontecia conforme ela desejara, que tanto pedira: «Não permitam que o seu pai me veja feia…» Eles se amavam tanto que minha mãe queria estar sempre bela para ele. Ao longo de suas vidas em conjunto, ela acordava antes para se arrumar, compor-se ou recompor-se, para que meu pai não a visse amarfanha. Vaidosa até o último instante.



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