Um bom livro é difícil de encontrar - Texto recolhido em «As Leituras de Madame Bovary»
Como no amor, talvez existam livros que se impõem como paixões maiores, diminuindo a eventualidade de arrebatamentos fátuos.
Tenho lido muito. Quando me deito na cama para descansar os ossos dos múltiplos alugueres quotidianos e ler, é como se o tempo se dilatasse de forma milagrosa. E às vezes, consigo ler um livro inteiro nessa hora. No entanto, jamais pouso numa palavra para voar e adormeço invariavelmente como que envolta numa tristeza pós - coital, não sabendo o que fazer desse novo silêncio que fica após cada livro. Nem sabendo como o nomear: deserto, morte ou paz?
Sinto-me uma leitora insípida, frígida como uma estátua. E é tão difícil viver sem um livro bonito. A vida parece mais absurda e os dias surgem aflitivamente habituais, como se toda a hipótese de uma cumplicidade se tornasse insustentável. Tento entender as razões desta esterilidade. A primeira que me ocorre é culpar o Crime e Castigo de Dostoiévski. O meu livro mais amado. Durante anos temi a sua leitura, dezenas de vezes li o primeiro capítulo e dezenas de vezes desisti, tomada por um mal-estar que passava das letras para a minha pele.
Foi na sequência de um desgosto amoroso que consegui ter força para me confrontar com a revolta de Raskólnikov. Rodion Romanovitch Raskólnikov, ainda hoje não consigo dizer o seu nome sem me deliciar com a sua subtil aspereza. Nunca me senti tão próxima, tão fisicamente solidária com uma personagem como nesse Outono. Com o coração em carne viva, nada importava, porque todas as noites me reunia nos teus braços, Ródia, e era-me impossível não te amar no teu desacordo íntimo com o mundo e orgulho ferido.
Leia este tema completo a partir de 16 de Abril de 2014 carregando aqui
Como no amor, talvez existam livros que se impõem como paixões maiores, diminuindo a eventualidade de arrebatamentos fátuos.
Tenho lido muito. Quando me deito na cama para descansar os ossos dos múltiplos alugueres quotidianos e ler, é como se o tempo se dilatasse de forma milagrosa. E às vezes, consigo ler um livro inteiro nessa hora. No entanto, jamais pouso numa palavra para voar e adormeço invariavelmente como que envolta numa tristeza pós - coital, não sabendo o que fazer desse novo silêncio que fica após cada livro. Nem sabendo como o nomear: deserto, morte ou paz?
Sinto-me uma leitora insípida, frígida como uma estátua. E é tão difícil viver sem um livro bonito. A vida parece mais absurda e os dias surgem aflitivamente habituais, como se toda a hipótese de uma cumplicidade se tornasse insustentável. Tento entender as razões desta esterilidade. A primeira que me ocorre é culpar o Crime e Castigo de Dostoiévski. O meu livro mais amado. Durante anos temi a sua leitura, dezenas de vezes li o primeiro capítulo e dezenas de vezes desisti, tomada por um mal-estar que passava das letras para a minha pele.
Foi na sequência de um desgosto amoroso que consegui ter força para me confrontar com a revolta de Raskólnikov. Rodion Romanovitch Raskólnikov, ainda hoje não consigo dizer o seu nome sem me deliciar com a sua subtil aspereza. Nunca me senti tão próxima, tão fisicamente solidária com uma personagem como nesse Outono. Com o coração em carne viva, nada importava, porque todas as noites me reunia nos teus braços, Ródia, e era-me impossível não te amar no teu desacordo íntimo com o mundo e orgulho ferido.
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