sexta-feira, 4 de abril de 2014

A estranheza - Conto de Daniel Teixeira


A estranheza - Conto de Daniel Teixeira

 O Vasconcelos vivia numa habitação toda em madeira – tinha-me dito o homem já com ar de reformado que andava por ali e tinha uma enxada – e era em madeira polida, vi eu depois, era em madeira polida e brilhante, onde o sol batia naquela hora em que lá fui e onde quase se via a nossa imagem na parede.

Era uma casa que parecia não ser uma casa ali posta para que pessoas vivessem nela e se sentissem bem embora tudo estivesse bem, tudo estava certo e a casa era perfeita mesmo, bonita, mas mesmo assim dava aquela sensação de ser provisória. Não parecia um lar, não era um lar mas quem ali vivia talvez visse nela um lar, não sei, nunca soube.

 Depois, quando o vi a ele, Vasconcelos, quando o vi tal como ele era fisicamente, a sua casa acabou por se tornar também tão esquisita quanto ele, coisa que eu talvez nem reparasse ou não pensasse muito nisso se ele tivesse uma figura normal.

Talvez por ser em madeira, por estar implantada sobre estacas, por se verem as suas fundações logo ali, por elas darem aquela sensação de nudez estrutural, aquela sensação de vazio, aquela sensação de ser, não sendo, uma casa.

Aquela casa não parecia uma casa onde pudesse viver outra pessoa senão ele mesmo, o Vasconcelos e ele, com a sua quase nudez, talvez ele a considerasse um lar. Mas nunca lhe perguntei e nunca fiquei com a sensação de que ele pensava isso. Acho que não, que não pensava isso.

A estrutura de uma casa como a estrutura de uma pessoa devem ficar escondidas pelos tecidos, pelos acabamentos, ficando assim tudo o que é das suas fundações coberto e de forma a que se veja aquilo que faz de uma casa uma casa e de uma pessoa uma pessoa. Uma casa e uma pessoa devem mostrar a sua forma, não os seus ossos. 


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