Corpo-a-corpo - Texto Recolhido em «As leituras de Madame Bovary»
Vai somatizar.
E somatiza:
A grande ruptura acontece nessa rua desgarrada em que o corpo caminha como quem marcha. Sem qualquer aviso prévio, a rugosidade de uma parede diz-lhe que está indefeso perante a morte e todos os trabalhos que a precedem. E assim, de súbito, o corpo perde afectos e deveres, rachado ao meio por um golpe de asa negra.
O seu primeiro impulso é procurar o nome da rua. Mas o medo infiltrou-se no sangue sem piedade. E a cabeça sempre foi frágil.
Há um crime imemorial que ainda não foi lavado e o teu corpo é chamado a depor. Todos têm de prestar contas. E é por isso que todos os meses as mulheres sangram. O corpo não possui mais um eixo ao abrigo da suspeita. Todos os seus movimentos toscos para recuperar o equilíbrio são vãos. A verticalidade tornou-se uma impossibilidade. A paisagem urbana surge desfigurada. Os edifícios são de papel cartonado e nunca te tinhas apercebido disso. Nos rostos que te cruzam não decifras mais qualquer vestígio da comunidade humana. A humanidade é uma ideia putrefacta que o teu olfacto ignorou nas décadas de aprendizagem. Venderam-te tantas ideias sem corpo e agora tudo vacila. Pareces um navio em alto-mar, fustigado pela tempestade.
Estás sozinho. Metes as mãos nos bolsos em busca de conforto – não esqueces jamais os hábitos que te impuseram aos membros. Mas tens os órgãos estilhaçados e a carne traumatizada pelo pensamento que te acidentou. Um vulto de plumas que assombra os bastidores da mente. Insinua-se e foge. Deixa um rasto de pássaros embalsamados.
O sabor a ferrugem na boca fendida. Roldanas de aço roendo os maxilares, numa pressão metálica que ameaça triturar o corpo a partir do queixo. Anos a confiar neste pedaço de carne e agora ele desconjunta-se e vai tudo abaixo.
Vai somatizar.
E somatiza:
A grande ruptura acontece nessa rua desgarrada em que o corpo caminha como quem marcha. Sem qualquer aviso prévio, a rugosidade de uma parede diz-lhe que está indefeso perante a morte e todos os trabalhos que a precedem. E assim, de súbito, o corpo perde afectos e deveres, rachado ao meio por um golpe de asa negra.
O seu primeiro impulso é procurar o nome da rua. Mas o medo infiltrou-se no sangue sem piedade. E a cabeça sempre foi frágil.
Há um crime imemorial que ainda não foi lavado e o teu corpo é chamado a depor. Todos têm de prestar contas. E é por isso que todos os meses as mulheres sangram. O corpo não possui mais um eixo ao abrigo da suspeita. Todos os seus movimentos toscos para recuperar o equilíbrio são vãos. A verticalidade tornou-se uma impossibilidade. A paisagem urbana surge desfigurada. Os edifícios são de papel cartonado e nunca te tinhas apercebido disso. Nos rostos que te cruzam não decifras mais qualquer vestígio da comunidade humana. A humanidade é uma ideia putrefacta que o teu olfacto ignorou nas décadas de aprendizagem. Venderam-te tantas ideias sem corpo e agora tudo vacila. Pareces um navio em alto-mar, fustigado pela tempestade.
Estás sozinho. Metes as mãos nos bolsos em busca de conforto – não esqueces jamais os hábitos que te impuseram aos membros. Mas tens os órgãos estilhaçados e a carne traumatizada pelo pensamento que te acidentou. Um vulto de plumas que assombra os bastidores da mente. Insinua-se e foge. Deixa um rasto de pássaros embalsamados.
O sabor a ferrugem na boca fendida. Roldanas de aço roendo os maxilares, numa pressão metálica que ameaça triturar o corpo a partir do queixo. Anos a confiar neste pedaço de carne e agora ele desconjunta-se e vai tudo abaixo.
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