A Metamorfose - Retirado do Blogue «As leituras de Madame Bovary»
Passados muitos anos, voltei a reler A Metamorfose de Kafka. Recordei o gume da frase de abertura: «Certa manhã, ao acordar após sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se na sua cama, metamorfoseado num monstruoso insecto.» O absurdo da história voltou a impressionar-me profundamente, e não me refiro à metamorfose de Gregor Samsa num insecto (ou verme com Valdimir Nabokov defendia ser a tradução correcta da palavra alemã Ungeziefer) – afinal, estas coisas acontecem quotidianamente a muitos de nós – mas à servidão voluntária do protagonista que, acordando numa situação - limite, não consegue quebrar com a formatação que lhe impuseram e que ele assumiu, continuando a insistir na permanência no real, no correcto, no concreto e no útil para a comunidade, para lá de toda a racionalidade.
A razão tem destas coisas quando se apura demasiado, acaba por nos trocar as voltas e enredar no absurdo de termos perdido o nosso tempo a trabalhar desalmadamente num trabalho chato para um patrão filha- da -puta, para pagar uma dívida que nunca existiu e sustentar vícios e parasitas que a sociedade de consumo transformou em necessidades vitais. E um dia acordamos - e que é feito da nossa humanidade, onde estão os outros, a comunidade que sustentava o nosso quotidiano na sua hipocrisia, frustração e monetarização -, mas não conseguimos desligar o programa, e vamos tentando em vão equilibrar-nos nas frágeis patas que substituíram os nossos membros inferiores, para apanharmos o próximo comboio e não chegarmos mais atrasados ao trabalho que detestamos, porque não podemos ficar o dia inteiro na cama a olhar para as paredes ou colados ao tecto do nosso quarto, não foi para isso que nos preparam. Se é certo que a liberdade tem um preço e apenas temos que decidir se o queremos pagar, também o tempo de vida que desperdiçamos, nos será reclamado.
Leia este tema completo a partir de 30 de Outubro de 2014 carregando aqui
Passados muitos anos, voltei a reler A Metamorfose de Kafka. Recordei o gume da frase de abertura: «Certa manhã, ao acordar após sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se na sua cama, metamorfoseado num monstruoso insecto.» O absurdo da história voltou a impressionar-me profundamente, e não me refiro à metamorfose de Gregor Samsa num insecto (ou verme com Valdimir Nabokov defendia ser a tradução correcta da palavra alemã Ungeziefer) – afinal, estas coisas acontecem quotidianamente a muitos de nós – mas à servidão voluntária do protagonista que, acordando numa situação - limite, não consegue quebrar com a formatação que lhe impuseram e que ele assumiu, continuando a insistir na permanência no real, no correcto, no concreto e no útil para a comunidade, para lá de toda a racionalidade.
A razão tem destas coisas quando se apura demasiado, acaba por nos trocar as voltas e enredar no absurdo de termos perdido o nosso tempo a trabalhar desalmadamente num trabalho chato para um patrão filha- da -puta, para pagar uma dívida que nunca existiu e sustentar vícios e parasitas que a sociedade de consumo transformou em necessidades vitais. E um dia acordamos - e que é feito da nossa humanidade, onde estão os outros, a comunidade que sustentava o nosso quotidiano na sua hipocrisia, frustração e monetarização -, mas não conseguimos desligar o programa, e vamos tentando em vão equilibrar-nos nas frágeis patas que substituíram os nossos membros inferiores, para apanharmos o próximo comboio e não chegarmos mais atrasados ao trabalho que detestamos, porque não podemos ficar o dia inteiro na cama a olhar para as paredes ou colados ao tecto do nosso quarto, não foi para isso que nos preparam. Se é certo que a liberdade tem um preço e apenas temos que decidir se o queremos pagar, também o tempo de vida que desperdiçamos, nos será reclamado.
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