quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Jornal Raizonline nº 258 de 30 de Outubro de 2014 - COLUNA UM - Daniel Teixeira - Recordar será mesmo só reviver?


Jornal Raizonline nº 258 de  30 de Outubro de 2014 - COLUNA UM -  Daniel Teixeira - Recordar será mesmo só reviver?

Esta questão, de recordar é viver, recorrente aliás, leva-nos a pensar que existe, na sua definição, assim como que um regresso saudosista a um passado que nos marcou de uma forma mais ou menos forte. Bem, se em parte estou de acordo por razões evidentes com aquela parte da ideia que nos remete para algo marcante já acontecido, no entanto tenho algum desacordo com a redução desta terminologia a esse ou esses simples factos.

Na verdade, recordar é também uma forma de retomar, no tempo presente, não só aquilo que se recorda mas é também uma forma de nos confrontarmos, com os olhos de hoje, com aquilo que nos marcou.

Talvez por isso surja tantas vezes o chavão do «se eu soubesse o que sei hoje», não teria feito ou enveredado por um determinado comportamento ou não teria tido determinada atitude.

Assim, recordar não será apenas e só reviver: é também corrigir ou acertar determinados pontos que essa nossa recordação desperta no nosso estar presente. Ou seja, e para que me compreenda a mim mesmo, recordar não é um reviver passivo. Também é um reviver crítico. Positivo ou negativo isso dependerá sempre do tipo da recordação. Não se trata em suma, no recordar, de ter uma atitude de observador sobre o momento ou os momentos dados.

Inserimo-nos no espaço temporal do recordado e estando no nosso espaço temporal presente, tomamos posição, optamos pelo apoio ao recordado ou pela crítica ao mesmo ou ainda pela complementação.

Tudo isto para dizer, acrescentando, que tenho relido alguns livros e temas que me foram caros em determinadas alturas da minha vida. A «Antologia do Conto Ultramarino» de Amândio César, por exemplo, trouxe-me um conto de Cabo Verde, de António Aurélio Gonçalves, «O enterro de Nhã Candinha Sena» em que me confrontei com uma ideia que tenho desde há bastante tempo e que infelizmente não tenho tido tempo e vontade de lhe dar continuadade e que, curiosamente ou não, já tinha lido sem que esta história me tivesse despertado mais que a admiração pela forma como está escrito sem que o aspecto que agora considero fulcral me tivesse ressaltado no espírito.





Poesia de Cremilde Vieira da Cruz - ANOITECER; MINHA FORMA DE DIZER


Poesia de Cremilde Vieira da Cruz - ANOITECER; MINHA FORMA DE DIZER

 

 ANOITECER

 

 Espreito quase ininterruptamente à janela,
 E para além de vestes abanadas pelo vento,
 Rostos desconhecidos,
 Não vejo nada.
é um domingo qualquer,
à espera de ti,
 E vedam-me a visão,
 Persianas envelhecidas,
 Paredes intransponíveis,
 Nuvens de poeiras esquálidas,
 Portas trancadas opacas.
 Neste domingo de horas curtas,
 Quase no fim,
 Ainda espero por ti.
 Espero por ti,
 Espreito à janela
 E apenas se me deparam paisagens mórbidas,
 Ou qualquer sonho inatingível.
 Apetecia-me o mar,
 O longe...
 Afaga-me a «Rosa em Botão»
Do poema de Vinicius.
 O mar não me chamou,
 Partiu não me levou.
 O céu não me quis ver,
 Partiu sem me dizer.
 Havia uma palavra azul
 Que me estendia os braços,
 Que me levava pela mão,
 Que me beijava os dedos,
 Mas morreu.
 Morreu de sede,
 De fome,
 E de saudades do mar
 Que lhe afagava as raízes.
 Costumava falar-me de ti com carinho.
 A cada instante,
 Embrenhava-me na paisagem tranquila daquelas horas,
 E sonhava...
 Não sei porque espero por ti.
 Não sei porque espero por alguém...
 Ainda espreito à janela,
 E escorre dos vidros um silêncio negro,
 Como o negrume de minha ansiedade.
 Escrevo para ti,
 Porque não posso falar contigo.
 Minhas falas morreram,
 E foram com a enchente do rio,
 Na hora da tempestade.
 Escrevo para ti,
 Para estar mais perto de ti,
 Nesta hora de crepúsculo
 De pensamentos desnudos,
 Conscientes da verdade.

 Cremilde Vieira da Cruz




O sabor da paz - Dueto Poética de António Tavares e João Furtado - A PAZ PERPETUA NA POESIA MADINTER ( António Andrade Lopes Tavares ) ; A PAZ ( João Pereira Correia Furtado)


O sabor da paz - Dueto Poética de António Tavares e João Furtado -  A PAZ PERPETUA NA POESIA MADINTER ( António Andrade Lopes Tavares ) ; A PAZ ( João Pereira Correia Furtado)

 

 A PAZ PERPETUA NA POESIA MADINTER



 SINTA O SABOR...
 DA PAZ PERPETUA NA POESIA MADINTER

 Partilho-te a minha paz em forma cosmética
 Encontrada na anatomia da veia poética
 Fugindo cogitação absolutamente patética
 Abraçando Justiça, Amor, verdade e ética
 Esta paz alienada em momentos e motivos
 Realidade exprimida no mundo dos cativos
 Desejos ardentes das almas puras e pacifistas
 Convicção profunda das consciências humanistas

 SINTA O SABOR...
 DA PAZ PERPETUA NA POESIA MADINTER!

 Quero viver a minha paz neste mundo de poesia
 Fazê-la, Canta-la, vivê-la lá em voz e na harmonia
 Esta paz sempre afirmada, desejada e negada
 Nas mentes pujantes da tendência globalizada
 A minha paz afirma-se em consciência dia-a-dia
 Escolhe os seus motivos na pura essência da razão
 Atua por princípio, amor e bondade no coração
 Garante o raio de sol e o solo à toda a Nação

 SINTA O SABOR...
 DA PAZ PERPETUA NA POESIA MADINTER!

 Esta minha paz nega toda forma de dominação
 Não encontra espaço, nem motivos para evasão
 Por isso combato, promovo e defendo a inter-relação
 E com toda a garra pugno apelando a multipolarização
 Na poesia da paz
 Dos céus caiem o pão da Dignidade
 As terras entoam o hino da Liberdade
 Os povos respiram o ar da tranquilidade
 No universo, sentimos sol da solidariedade

 SINTA O SABOR...
 DA PAZ PERPETUA NA POESIA MADINTER!

 Esta minha Paz poética irreverente
é fruto de injustiça sobre os inocentes
 Violências sobre os pobres e oprimidos
 Alienação de Estados Independentes
 Com futuro e progressos comprometidos
 Faça parte da minha Paz Poética
 Nela o céu brilha e será sempre azul
 Alterando-se o sol, o luar e as estrelas
 Jamais a escuridão será iluminada
 Com bombas, Canhões, Tanques…
Com granadas e aviões de caça…

SINTA O SABOR...
 DA PAZ PERPETUA NA POESIA MADINTER

 Ande sentir o Sabor da Poesia…
Nela encontraras a doçura da paz Perpétua
 MADINTER é hoje o alfa e ómega de alegria
 Mas esteja tranquilo, toda a decisão é tua!

 SINTA O SABOR...
 DA PAZ PERPETUA NA POESIA MADINTER!

 António Andrade Lopes Tavares

 Bélgica, 25 de Outubro de 2014




Poesia de Liliana Josué - Primavera Branca; Gostar; Harpejos de Felicidade


Poesia de Liliana Josué - Primavera Branca; Gostar; Harpejos de Felicidade


 Primavera Branca

 

 Há sol azul
 nos olhos do ancião,
 metamorfoses de vidas
 esvoaçando como tule
 adormecem esse olhar
 de solidão.

 Cabeça pendendo sonhos
 recordações
 do distante
 memórias de luares antigos
 polvilhados de emoções
 de cor imaculada
 e cheiro a ontem.

 Tudo é Primavera branca
 cabelo, barba, ilusão...
 a face nívea desgostos tranca
 só os olhos é que não.



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Cansaço - Prosa Poética por Daniel Teixeira


Cansaço - Prosa Poética por Daniel Teixeira

 Sinto que o percurso é curto e enredado entre os meus e os teus dedos, percorridas que são céleres as distâncias enquanto os nossos corpos permanecem estendidos, deitados como corpos de outros que não nós colados em silêncio que é ao mesmo tempo grito vindo de dentro de nós como o fogo ardendo que não queima.

 Seja tudo suor ou lágrimas (nunca se sabe) os nossos desejos antes tão desejados foram agora cumpridos como num relógio, e, consumidos deles nada mais resta.

 No silêncio dos corpos as argolas de fumo envolvem-se no ar enquanto na tua fonte escorre o líquido que te molha e me enerva. E é chuva entre ervas que se dilui como eu me diluo nesta vontade de partir para o laranja tardio que aparece atrás do monte e das árvores entrando pela janela aberta onde balouçam as cortinas que não fizeste.

 Calmo estou, mesmo assim, calmos estamos (tu estás sempre calma - ou será apática?) e os teus dedos percorrem o percurso do meu corpo. Pudera, não tens outra coisa que fazer senão entreteres-te, brincar, como brincas sempre.

 Inebriam-te as sereias cantando à passagem na viela escura em que se tornou o quarto em noite já cansada de navegar e eu vejo-me em rosto inocente, imaginando de novo a vitrina baça da loja, com roupas, cestos e cordas e sinais em fogo de luzes e fumo na neblina em que nos reencontrámos.


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Considerações sobre a Sublimação - Texto de Daniel Teixeira


Considerações sobre a Sublimação - Texto de Daniel Teixeira 

 A sublimação, em termos correntes quer dizer elevação, atingir um estado superior em que o objecto sublimado permanece ou não na sua configuração própria, devidamente depurado do seu valor relativo anterior à sublimação, ficando subsumido, subalternizado, perante o indivíduo ou o grupo sublimado. Freud abordou o conceito e, sendo a sua psicanálise eminentemente virada para o problema sexual, a sublimação aparece como um processo preenchido por um conjunto de etapas, não forçosamente colocadas na mesma pista.

 Segundo William Stern, em Psicologia Geral, o conceito de sublimação significa que a energia total disponível para a vida impulsiva, quando não pode descarregar-se num dado campo da acção impulsiva, procura outra saída, ou melhor, é orientada para outra saída.

 Um pouco apressadamente, a nosso ver, este autor serve-se do exemplo de Goethe, que terá sublimado os seus amores pessoais na obra «Os sofrimentos de Werther», não só canalizando a sua pulsão amorosa para o campo estético como ainda fazendo uma deliciosa mistura com uma referida pulsão estética, o que terá resultado num surplus da sublimação erótica através do seu enquadramento num surplus da pulsão estética (curiosamente, ou talvez não, referida como inata).

Ou seja, não terá só havido, em Goethe, sublimação de uma pulsão mas também o seu direccionamento preciso para o campo estético o que terá enriquecido qualitativamente a «pulsão» estética, o que não deixe de nos parecer um convite à abstinência erótico / sexual pelo menos sempre que nos deparemos com a possibilidade de a sublimar em campos ditos superiores da psique e se sobre isso pudéssemos (ou desejássemos) estabelecer controlo e este tipo de controlo.

 Contudo, quer em Stern quer na Psicologia em Geral, de base Freudiana ou não, a derivação dos impulsos para campos diferenciados não aparece como objecto de vontade. Aparece antes como um «acidente» favorável ou desfavorável (favorável em Goethe) que acaba por cozinhar, na sua complexidade derivativa e de direccionamento algo que ao ser mostrado vem a poder ser decomposto num sistema que se quer lógico e coerente.


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Ternura... - Conto de Irene Fernandes Abreu in Blogue Valium 50


Ternura... - Conto de Irene Fernandes Abreu in Blogue Valium 50
 

 Marisa deu uma corrida e ainda conseguiu apanhar o comboio, que fechou logo as portas mal ela entrou. A carruagem nem estava muito cheia.

 Olhou indecisa para o banco que estava logo à entrada da porta para se sentar, mas desistiu da ideia, porque a mulher que lia uma revista, estava sentada de tal forma, que não sobrava muito espaço para ela. Foi então que reparou na velhinha num dos bancos a meio da carruagem, que lhe lançou um sorriso convidativo:
- «Ah menina, ainda bem que se sentou aqui, estava com medo que fosse aquele sujeito que tem ar de ladrão...»

Ela sorriu e acenou com a cabeça, num gesto cúmplice.

 Sentada à janela do comboio, a velhinha confidenciou que já tinha tirado os «ouros», ou seja, os fios e pulseiras que habitualmente usava e que vinham já da sua avó. Filigranas raras, deviam valer bom dinheiro, se a roubassem... nem queria pensar no desgosto.

Tinha medo andar com eles assim à vista, pois o caminho da estação até a casa, a pé, era escuro e longo e agora andava por aí tanta malandragem, que todo o cuidado era pouco.

 A «menina» olhou a idosa e enterneceu-se, lembrava-lhe a mãe, já falecida. A velhinha continuou a tagarelar, falando da filha, dos netos, da vida cara, do tempo cheio de humidade, que lhe atacava o reumático...


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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A Babosa - Conto de João Furtado


A Babosa - Conto de João Furtado  

 O martírio era enorme. O José dos Ramos não tinha um minuto de sossego. A barriga estava a funcionar ao ritmo do mar. Se era maré-alta a barriga inchava que nem um tambor. Ia se esvaziando ao ritmo do mar até ficar completamente colada a costa.

Minutos depois iniciava o sentido inverso. Começava a encher aos poucos no mesmo ritmo do mar. Morava no Oeste, embora a Ilha seja pouco mais que 100 kms quadrados, no meio do Oceano Atlântico, podia-se dizer que Oeste era longe do mar. Sim, tudo é relativo, e nesta relatividade as poucas pessoas que residiam no Oeste afirmavam e acreditavam que estavam longe, muito longe do mar.

 Efectivamente não tinham o mar no horizonte visual. E a barriga do José dos Ramos trouxe a todos a noção dos movimentos das ondas. Não foi levado ao hospital. Todo o mundo sabia o que acontecera. Os ai ai ai ai do José dos Ramos foram tomados, embora com consternação, como normais pelo o que foi provocado.

 O mês de Maio estava no fim, o próximo mês seria Junho, mês das festas de Santo António do Príncipe. Era preciso preparar tudo para que nada ficasse ao acaso. Era um mês de festas, durante todo o mês de Junho, o Picão era o centro da ilha. O que era para guardar, tinha que ser guardado, sempre podia aparecer algum amigo do alheio.

O José dos Ramos fechou tudo em casa. Não deixou nada a vista. Era um homem prudente e não queria perder nada. Entretanto havia um utensílio, muito útil por sinal, enorme que não cabia dentro da casa, era um tacho de cobre. Tacho enorme, tinha dois metros de diâmetro. Estes enormes tachos serviam (e servem) para se fabricar farinha de mandioca.


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Fiel companheiro - Texto de Joaquim Nogueira


Fiel companheiro - Texto de Joaquim Nogueira 

 «… chamava-se Ben-Hur… não tinha raça certa e era preto… hoje o meu Black faz-me lembrar um pouco esse meu primeiro cão… eu tinha na altura os meus 5 anos e me lembro muito bem dele…

tinha a sua casota ao fundo do quintal junto aos galinheiros e ao pombal… (já naquele tempo o meu pai era columbófilo e de muito cedo a minha paixão pelos pombos se revelou que mais tarde, vim também a interessar-me pela modalidade)… servia de guarda mas de dia andava solto pelo quintal…

já contei no meu antigo blogue algumas histórias do meu actual Black mas sobre este meu primeiro companheiro ainda não havia escrito algo sobre ele… quando os meus pais saíam de casa e eu tinha de ficar, ele o Ben Hur ficava comigo dentro de casa…

então, inocentemente, brincava com ele e recordo que o seu corpo era maior que o meu… recordo que um dia a brincadeira me cansou e eu adormeci deitado no chão do corredor… ao meu lado o Ben Hur tinha-se deitado com a pata debaixo do meu pescoço e naquela posição ficara até os meus pais chegarem…

acordei com o rosnar do bicho… meus pais queriam pegar em mim mas o cão não o permitia… talvez dentro dele se travasse uma batalha: a quem obedecer?… Ao dono, meu pai, ou defender a posição do seu fiel companheiro que era eu?…


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Luiz Vaz de Camões - Escreve Arlete B. Deretti Fernandes


Luiz Vaz de Camões - Escreve Arlete B. Deretti Fernandes 

 Poderíamos chamá-lo de «cavaleiro letrado». Nele sempre existiu o ideal cavaleiresco e o ideal humanista.

Se, de um lado a teoria do amor solucionava as questões ligadas à existência pessoal, do outro restava a questão do homem português como coletividade. Foi isto resolvido nos Lusíadas.

 Luiz Vaz de Camões é o maior nome da Literatura Portuguesa, como poeta épico e lírico e um dos maiores da literatura mundial. E é comparado a Cervantes e a Sheakspeare.

 A vida de Camões não é uma simples indicação de dados biográficos. Está ligada a todos os acidentes históricos da nacionalidade portuguesa. O grande escritor teve um caráter inquieto e uma vida tempestuosa. Acabou sendo personagem de sua epopéia.

 Camões cultivou os três géneros da poesia

 Camões lírico.

 O alemão Shlegel afirmou que Camões vale por si só uma literatura inteira. E. Stork declara que ele não é apenas o maior lírico português, mas um dos maiores de todos os tempos.

 Seus sonetos são elegantes, profundos, cheios de humanidade. Seus poemas expressam sentimento, amor, ternura e desilusão, entusiasmo, desespero e esperança.

 Seus poemas líricos se apresentam como sendo de primeira grandeza. Foram reunidos e publicados sob o título de Rimas, em 1595, quinze anos após a morte do poeta.


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Poesia de Virgínia Teixeira - Veneno; Campo singelo


Poesia de Virgínia Teixeira - Veneno;  Campo singelo



Veneno



Tantas lágrimas derramadas num tempo já ido
 Fluidas num rio de sal e angústia, lamacento de traição
 Rio que corria revoltado e feroz, de mim condoído
 Ferida de morte por um punhal afiado com desilusão…

E, ao nascer do Sol, o rio começou lentamente a secar
E no pântano viu-se nascer uma singela flor de esperança.
Os passos ficaram mudos na fuga e pensaram parar
 E os raios ardentes acenderam a centelha voraz da aliança

 Na lama da Razão ficou enterrado o punhal odiado
 Encoberto, mas tão real quanto a desilusão que restou…
E ao anoitecer, quando a Lua do seu sono despertou,

O rio voltou a brilhar ao luar com um laivo esverdeado,
De veneno puro, que se impregna devagar e profundamente,
Para os laços dourados do amor macular, eternamente…



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terça-feira, 28 de outubro de 2014

Debaixo do mesmo céu - Conto retirado do Blogue As Leituras de Madame Bovary


Debaixo do mesmo céu - Conto retirado do Blogue As Leituras de Madame Bovary

Conseguia ver-se uma ampla planície do Alentejo, com um sobreiro, glorioso na sua solidão, a suportar o quebrado pôr-do-sol violeta, que inundava a alma de Elisa, de fantasmas antigos e saudade, sentada de olhos fitos no horizonte, num poial de pedra branca e gelada.

Com a mão esquerda ia pescando punhados de terra que levava à boca de modo intermitente, e observava aquele sobreiro, que sabia-se lá há quanto tempo ali estaria, olhava o seu tronco rugoso acastanhado e os seus braços esguios semi-cobertos pela doença da cortiça, o ténue verde da sua copa e angustiava-se no pensamento de que aquela árvore lhe sobreviveria, tentando descortinar o segredo da sua longevidade.

Aquela árvore fora testemunha de várias espécies que por aquelas terras passaram e permanecia sólida na sua certeza altiva de que todos passariam menos ela. Elisa ia comendo compulsivamente terra, procurando a comunhão com aquele ente que ela suspeitava ser Deus, testemunha da progressiva degradação da espécie humana. Provavelmente, remontava ao tempo dos dinossauros, e um dia a última matriarca dessa raça há muito extinta também contemplara a árvore e percebera pelos insanos raios violetas que a atravessavam, que nada era capaz de deter o curso do mundo, que o seu ventre se tornara infértil e que aquela paisagem era um prenúncio de viragem.



A Metamorfose - Retirado do Blogue «As leituras de Madame Bovary»


A Metamorfose - Retirado do Blogue «As leituras de Madame Bovary»

Passados muitos anos, voltei a reler A Metamorfose de Kafka. Recordei o gume da frase de abertura: «Certa manhã, ao acordar após sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se na sua cama, metamorfoseado num monstruoso insecto.» O absurdo da história voltou a impressionar-me profundamente, e não me refiro à metamorfose de Gregor Samsa num insecto (ou verme com Valdimir Nabokov defendia ser a tradução correcta da palavra alemã Ungeziefer) – afinal, estas coisas acontecem quotidianamente a muitos de nós – mas à servidão voluntária do protagonista que, acordando numa situação - limite, não consegue quebrar com a formatação que lhe impuseram e que ele assumiu, continuando a insistir na permanência no real, no correcto, no concreto e no útil para a comunidade, para lá de toda a racionalidade.

 A razão tem destas coisas quando se apura demasiado, acaba por nos trocar as voltas e enredar no absurdo de termos perdido o nosso tempo a trabalhar desalmadamente num trabalho chato para um patrão filha- da -puta, para pagar uma dívida que nunca existiu e sustentar vícios e parasitas que a sociedade de consumo transformou em necessidades vitais. E um dia acordamos - e que é feito da nossa humanidade, onde estão os outros, a comunidade que sustentava o nosso quotidiano na sua hipocrisia, frustração e monetarização -, mas não conseguimos desligar o programa, e vamos tentando em vão equilibrar-nos nas frágeis patas que substituíram os nossos membros inferiores, para apanharmos o próximo comboio e não chegarmos mais atrasados ao trabalho que detestamos, porque não podemos ficar o dia inteiro na cama a olhar para as paredes ou colados ao tecto do nosso quarto, não foi para isso que nos preparam. Se é certo que a liberdade tem um preço e apenas temos que decidir se o queremos pagar, também o tempo de vida que desperdiçamos, nos será reclamado.


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AS CRIANÇAS POBRES DOS MEIOS RURAIS - Texto de Paulo em Filhos de um Deus Menor


AS CRIANÇAS POBRES DOS MEIOS RURAIS - Texto de Paulo em Filhos de um Deus Menor
 

 A criminalidade infantil é uma realidade inquestionável. Os criminologistas dos nossos dias ainda não estão sensibilizados para compreender certas espécies de crianças -incendiarias, ladras, mentirosas, das que urinam na cama, das de mau génio, etc...

 Em nome dos superiores interesses da criança discutem-se - nos corredores dos tribunais, nas escolas, nos agregados familiares, infantários, creches - novos conceitos de educação infantil. Mas, ainda assim, cada vez mais se encontram crianças infelizes. Em hostilidade aberta consigo próprias, e, em consequência, em «guerra» com o quotidiano onde se movem.

 Os mais variados especialistas, procuram, - sem êxito -nos seus «doutos» conhecimentos científicos, uma resposta para o fenómeno. Porém, para compreender o «fenómeno»é necessário não esquecer que hoje temos uma sociedade de crianças ricas e pobres. O Ministério da Educação e a Igreja, parece terem esquecido as crianças pobres dos meios rurais.

Infelizmente - por mais estranho que possa parecer - as crianças pobres têm no Ministério da Educação e na Igreja dois sistemas, cujos fins específicos parecem estarem ao serviço da desvalorização e repressão psicológica, dos sectores pobres da sociedade. Sempre debaixo da aparência de «paternalismo», de quem cumpre fins ao serviço da cultura e da ajuda espiritual.

«QUALQUER CULTURA NASCE DE UM PARADOXO INAUDITO...» - Por Paulo - Em Filhos de um Deus Menor


«QUALQUER CULTURA NASCE DE UM PARADOXO INAUDITO...» - Por Paulo - Em Filhos de um Deus Menor 

 Qualquer cultura nasce de um paradoxo inaudito. Quando crianças, entramos, por vezes, na sociedade sob o signo da violência. Uma cultura sob os auspícios da violência tudo nos tira: a nossa procura insaciável de uma satisfação ilimitada, o nosso amor infinito por nós próprios que, por força das circunstancias, se há-de confundir com o tipo de quotidiano onde, paulatinamente, nos movemos.

 Quando ainda crianças, até a nossa mãe - que amamos como nunca amaremos ninguém - nos quer «aculturar», isto é: ensina-nos a renunciar.

 Esta aculturação em bairros degradados, onde os valores da família perderam toda a carga afectiva, de partilha, de condescendência, é, de facto, de grande violência. Violência geradora de condicionalismos, pressões, que nos modela, nos dá forma, nos constitui, ainda assim, em «seres culturais».

Mas...o maior paradoxo é quando, já adultos, descobrimos que: raramente nos recompomos da referida violência e, se alguma capacidade de reflexão ainda sobrou, facilmente sentimos em nós as feridas indeléveis que aquela nos deixou.


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Poesia de Edvaldo Rosa - Anotações do tempo; Depoimento de mim poeta...


Poesia de Edvaldo Rosa - Anotações do tempo; Depoimento de mim poeta...  


Anotações do tempo



Hoje acordei com vontade de reler
 As anotações do tempo,
 Deixadas por todo canto, sobretudo em minha estante...
 Momentos vividos, ainda vivos na memória!
 Senti vontades de sorrisos distantes,
 De abraços que ainda me abraçam no agora!
 De sentir o perfume de diferentes terras,
 Em que minha poesia, fez-me, pisar exultante!
 Hoje acordei com gosto de vida na boca,
 E nos lábios, gostos de história!
 O certo é que estas anotações, distintas,
 Dizem de pessoas, que em seu caminhar,
 Deitaram olhos sobre mim,
 E que cada um a seu modo, fizeram-me mais feliz!
 Dizem estas anotações sobre um caminho,
 Em que meus passos, não estiveram nunca sós,
 Em sua breve e longa trajetória!
 Elas falam de mim... Elas falam de nós!

Edvaldo Rosa

www.sacpaixao.net

01/10/2014


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segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Poesia de Maria Alvaro - Não!; Professora; Algarve


Poesia de Maria Alvaro - Não!; Professora; Algarve 

 Não!

 

 Não ouses tocar o cristal magoado!
 Não contes os cacos das lágrimas idas!
 Não tentes colar o silêncio quebrado!
Não pegues na Mão! Tem carícias perdidas...
 Não queiras ouvir o meu canto chorado!
 Não tragas consolo pr´as horas feridas!
 Não leves no bolso meu lenço molhado!
 Não varras em mim estas noites sofridas!
 Não ouso, não conto, não tento o meu fado!
 Não pego, não quero lhe dar mais saídas!
Não trago, não levo presente infundado!
 Não varro, não colo as mágoas sentidas!
 Quer´outro silêncio de novo talhado...
 Quer´outro cristal, com buril lapidado...

 Maria Alvaro



Poesia de Daniel Teixeira - I; II; III


Poesia de Daniel Teixeira - I;  II; III  


 I



 Com um sopro
 quero tocar o teu corpo,
e matar saudades,
 e fazê-lo saltar
 de peito fremente,
como um ramo destes pinheiros altos.

 E ouvir o silêncio
e o espanto.

 Depois, acendo um cigarro.

E fumo.

 Tu não.
E dizes-me...
-Eu tenho asas
 e um ninho
 e medi a altura do Sol.
 Talvez amanhã...



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Poesia de José Manuel Veríssimo - Semente – ou receber e transmitir uma pequena mensagem em 1979; (Re) Descoberta ; Razões


Poesia de José Manuel Veríssimo - Semente – ou receber e transmitir uma pequena mensagem em 1979; (Re) Descoberta ; Razões

 

 Semente – ou receber e transmitir uma pequena mensagem em 1979

 

 Há poemas
 QUE AMADURECEM
 Como frutos

 A colher no Outono
 ANTES DE CAIREM

 Há poemas
 QUE SE TECEM
 NA CUMPLICIDADE DOS DIAS
 Há poemas
 COM GANAS DE RENASCER

 Certezas claras
 A plantar hoje
 PARA ALGUEM AMANHA RECEBER

 Seixal, 18.07.2009
 José Manuel Veríssimo


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Poesia e prosa poética de Daniel Camacho - Voz;Salgadas como as ondas do mar ; Vida (Prosa Poética)


Poesia e prosa poética de Daniel Camacho - Voz;Salgadas como as ondas do mar ; Vida (Prosa Poética)

 

Voz



Quando ousas soltar a concavidade do teu sopro
e te inspiras na leve ternura de teu clamor,
desvendas secretos murmúrios privados da dor.
Quando o intimo aperto suplica pela tua voz
de soprano nocturno, de velhos hábitos que giram
em torno de um dos anéis de Saturno,
vulcanizas violetas sem corpo,
ofuscas as pautas, as notas situadas
duas oitavas abaixo do ritmo que escalas,
num fuso que acompanho quando sinto a eloquente
presença da tua aragem, como se sentisse a maresia
e as ondas que rebentam na areia, naquele intervalo
onde aparas os cristais que encobrem as manhãs
que esmorecem na palidez do ilustre silêncio
e que perduram sempre tão solitárias
até a alma se arrepiar numa ária
de ilimitáveis rasgos puros do pensamento.


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Contradição - Texto de Maria Alvaro


Contradição - Texto de Maria Alvaro 

Ontem o dia fora compensador. Era o silêncio dos quartos adormecidos, e ainda em mim o palpitar entusiasta dos ecos de um rodopio sonoro que havia marcado os meus passos sonhadores na aula de dança das duas horas anteriores. Em meu leito, ainda em júbilo, os olhos bem abertos e vivazes, estavam direcionados para um alvo no escuro...a mente lúcida, os pensamentos fugazes...

 Inicio, então, um deslizar involuntário e súbito por corredores, escadarias e salas de aula íntimas, muito íntimas.... Ouço o som monocórdico e agudo de múltiplas e simultâneas vozes femininas juvenis, risadas e ecos que ressoam fortes no meu peito. Ouço clamar e ecoar o meu nome : Maria Alvaro... álvaro... al-va-ro...! Voz que vem não sei de onde e nem para quê...

 Mas vejo! Vejo as minhas colegas de turma, as minhas companheiras de estudo e de devaneios de tantos anos atrás, todas de bata branca e fitinha colorida ao peito. Vejo todos os rostos risonhos, irreverentes e sonhadores. Vejo a expectativa, vejo o entusiasmo estampado em cada olhar...

 Vejo as carteiras de madeira onde as mocinhas se sentam e ocultam seus misteriosos enlevos, o estrado temeroso com seus degraus gélidos e escarpados, tal Alpes em dias invernosos... Vejo o quadro negro gigantesco empoado de branco, vejo os pedaços de giz pousados, esperando as mãos inquietas que irão fazer deslizar nele reproduções nervosas dos temas estudados... ou não ...

 Vejo um apagador que apaga erros e incertezas, mas não as notas atribuídas... Vejo o ponteiro de madeira tal enorme dedo condenatório e repressor, que mais do que apontar, intimida... Vejo o mapa - mundo autoritariamente pendurado na parede. Exerce na perfeição a função de acentuar a localização e a geografia das «colónias», que, agora, não podem mais ser assim denominadas. Diz-se que são as «províncias ultramarinas», no dever de negar a atribuição de colonialista ao nosso País...


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quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Jornal Raizonline nº 257 de 15 de Outubro de 2014- COLUNA UM - Daniel Teixeira - Coisas das guerras


Jornal Raizonline nº 257 de  15 de Outubro de 2014- COLUNA UM - Daniel Teixeira - Coisas das guerras

Já aqui uma vez contei que nos meus tempos de escola foi-me dado ler um conto de um reconhecido autor português clássico, em que se fazia referência ao que as relações de proximidade ou afastamento trazem aos relatos de acontecimentos.

Lembro-me que nesse conto se começava por ler nas páginas de um jornal (Início do Sec. XX) que tinha havido um desastre de comboio na India onde tinham morrido cem pessoas. Os ouvintes, os familiares, lamentaram o acontecimento, mostrando até alguma «pena» dos falecidos e pelo acontecido e passaram logo a outro motivo de conversa.

Acontece que uma vizinha ao lado, igualmente classe alta (embora isso não interesse para aqui) tinha mandado o seu criado a casa destes pedindo ajuda porque tinha caído uma queda e não sabia se tinha alguma coisa de grave numa perna.

Foi o rebuliço total, mulheres e homens da casa saíram correndo oferecendo os seus préstimos, dispostos até a ir buscar o médico à vila que era longe e aconselhando chás e outras coisas para as dores da infeliz senhora.

A ideia do escritor era a de ilustrar precisamente o que as relações de proximidade e da distância fazem, deixando claro que cem mortos na India era menos, naquele caso, do que a perna provavelmente partida da vizinha.

Nós estamos, felizmente, longe das guerras que varrem esse mundo (ou talvez nem tanto assim), algumas delas ainda mais chocantes se possível por serem acompanhadas de actos bárbaros que todos julgávamos afastadas da nossa história, embora a guerra na ex - Jugoslávia não esteja assim tão longe e nem sequer o holocausto dos judeus. Isto sem contar com as nossas (portuguesas) que também não tiveram coisas exemplares.




Poesia da Marcos Loures como Tenesmo Telencefálico - MEU VERSO; ACUADO; PECADO


Poesia da Marcos Loures como Tenesmo Telencefálico - MEU VERSO; ACUADO; PECADO

 
 MEU VERSO

 

 Servindo a quem se mostre mais cruel
 Meu verso não produz qualquer efeito
 E quando me amortalho e insone deito
 Vagando o pensamento sempre ao léu

Acordos do passado em vil papel
 Arcando com os erros, tosco pleito
 E tanto poderia estar aceito
 Aonde a virulência dita o fel,

Apenas o que resta ao sonhador
 A cada novo instante decompor
 O quanto inda restara em viva voz,

E sendo a realidade sempre assim,
 O sonho determina agora o fim
 E sei o quanto a morte é mais veloz...

MARCOS LOURES

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terça-feira, 14 de outubro de 2014

Poesia de Mário Matta e Silva - Uma braçada de Magnólias; Caprichos do Sol e da Lua


Poesia de Mário Matta e Silva - Uma braçada de Magnólias; Caprichos do Sol e da Lua

 

 Uma braçada de Magnólias

 

 Uma braçada de magnólias
 Pode ser um gesto de amor
 Uma face suave no seu rubor
 Terno. vibrante, ardente, apetecido
 Em tempo dos campos florescerem
 Dos corpos no auge se envolverem
 E do mosto deslizar no copo de cristal
 Uma dedicatória franca, banal
 E um banho de espuma apetecido
 De metáforas sedosas guarnecido.

Uma braçada de magnólias
 Pode ser um escalar de gestos encantatórios
 E de soberbas manifestações de afeto
 Uma cama de lavado sob um róseo teto
 De um lugar feito de histórias
 De rebeldes, obstinadas memórias
 E de perfumes lânguidos e amenos
 No auge dos sonhos leves e serenos
 Onde se depositam palavras apaixonadas
 Ondulando na brisa sempre encantadas.

28 de Setembro de 2014

Mário Matta e Silva



Poesia de Maria Alvaro - Palavras que eu nunca te direi; A Rota; Na Sala


Poesia de Maria Alvaro - Palavras que eu nunca te direi; A Rota; Na Sala


Palavras que eu nunca te direi

 

 Palavras qu´eu não te direi
 São rosas que tu plantaste
 No meu peito eu as sequei
Porque tu não as regaste.

Pássaros qu´eu aprisionei
De saudade morrendo estão...
 Gritam calados, eu sei,
 Mas nunca de lá sairão..
 .
 Com as rosas sempre em botão
 E as asas qu´imobilizei,
 O drama que tu lhes causaste...

Sentada eu choro no chão.
Palavras qu´eu não te direi...
Guardo aqui na minha mão.

Maria Alvaro


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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

A Lenda da Senhora Matilde e da «San Líjà Bote» - Conto de João Furtado


A Lenda da Senhora Matilde e da «San Líjà Bote» - Conto de João Furtado

 Vestida imaculadamente de branco, a senhora Matilde, sim era este o nome da velha que diariamente sentava-se a berma do rio Papagaio.

 Usava saias longas e de pregas e uma blusa de mangas folhadas. Esperava alguém, alguém que deveria voltar e nunca mais voltaria. Aquela zona era denominada de «San Lijà Bote», em português, senhora Luísa Bote.

Que esperava a senhora Matilde? Alias quem esperava ela?O João diariamente passava por ela e tornava a passar. Passava para ir a escola e passava de novo quando voltava para a casa. A senhora Matilde lá estava.

Ia bem cedinho e só regressava a noite. Há anos que ela passava o dia sentada. Alimentava de cola e agua. Graças a Deus a cola era uma semente milagrosa. Bastava uma semente para não se sentir a fome durante longo período do dia e era fácil de se conseguir.

 O fazia ela sentada ali e quem esperava ela?
 A agua cristalina e transparente descia rio abaixo até o mar alheio a tudo e a todos e a Senhora Matilde, alheia a tudo que passava a sua volta fixava os olhos no rio e via a agua correr na sua trajectória milenar, enquanto respondia a todos que por ela passassem o «Passô» com outro «passô».

Ninguém mais se importava com ela. O hábito de ficar sentada a beira do rio já se havia transformado em normal, natural.

Um tão estranho hábito tornou-se habitual e quando o estranho se transforma em normal, ninguém mais liga. A Senhora Matilde já tinha se tornado em parte integrante do ambiente.


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Poesia de Cremilde Vieira da Cruz - Lembranças longe do Mar; Passou Janeiro...


Poesia de Cremilde Vieira da Cruz - Lembranças longe do Mar; Passou Janeiro...

 
Lembranças longe do Mar



Já minhas lembranças choram,
 Saudosas do mar de ondas claras
 Que me viu partir.
 Como eram minúsculas as algas,
 Os caranguejos lá no fundo,
 Os barcos que o horizonte engolia!
 Mas o mar imenso,
 Todo meu,
 Emoldurado de palmeiras,
 Todas minhas,
 As paredes nuas onde repousava meu leito,
 Todo meu...
 Já minhas lembranças choram
 O azul das vestes de nossas horas,
 Cada serão sem mágoa,
 E o fulgor das gaivotas!
 Conhecíamos cada gesto diminuto dos jacarandás,
 Cada folha tombada na calçada,
 Cada melodia vinda do firmamento.
 Conversávamos com as luzes do caminho,
 E dávamos razão à lua,
 Quando de luvas sedosas
 Nos descobria o rosto.
 As noites não tinham chão
 E desciam sobre nosso peito aberto.
 Não tínhamos segredos
 E havia poesia na prosa de nossos desabafos.
 Que mais tu tinhas,
 Que mais eu tinha,
 Senão o mar circundado de palmeiras?
 Que mais tínhamos nós,
 Senão um simples nome
 Ao tombar de cada crepúsculo?
 Expúnhamos nossas almas nuas,
 E secávamo-nos as lágrimas
 Com um simples olhar.
 Havia ruínas nos nossos peitos
 Mergulhados de abandono,
 E desilusões sucessivas
 Entre um pensamento e outro,
 Mas tínhamos o mesmo nome.
 Ainda temos o mesmo nome.

 Cremilde Vieira da Cruz




Poesia de Ilona Bastos- A Vinha e a Esperança; A chuva; Os Balanços do Vendaval


Poesia de Ilona Bastos- A Vinha e a Esperança; A chuva; Os Balanços do Vendaval

 

 A Vinha e a Esperança

 

 Agora, é a videira que se enche de parras e de uvas,
 que cresce, afoita, num reboliço de gavinhas,
 limbos, pecíolos, bainhas, e que se expande sobre o muro,
 galgando-o magnificamente, desafiando a rua,
 debruçando-se, viçosa, com seus cachos caprichosos,
 sobre os carros, as carrinhas e os apressados peões.
 Nada teme esta videira citadina, tão tranquilamente verde,
 tão essencialmente terra, água e sol, tão fiel a si mesma!
 .
 Pudéssemos nós, humanos, conhecer a nossa natureza,
 Interiorizá-la, assumi-la, vivê-la, expressá-la,
 independentemente do solo onde nascemos
 e dos obstáculos que a vida nos coloca,
 indiferentemente das modas e passageiras seduções.
 Seríamos o Homem na sua identidade perfeita,
 íntegro defensor do Amor, da Paz universal e do Bem.
 Tão natural nos seria sermos humanos como à vinha é ser vinha.
 .
 Na vinha encontro a plenitude, a beleza do ser.
 Enquanto os homens continuarem a plantar vinhas na cidade,
 alguma esperança haverá para o Mundo!

Laudelina - Por: Cecílio Elias Netto


Laudelina - Por: Cecílio Elias Netto 

 Sempre estiveram abertas e viçosas as flores de Laudelina. Quem passasse pela antiga casa, na esquina da 15 com José Pinto de Almeida, poderia vê-las, ainda que protegidas por grades, pedindo para serem roubadas. Pois as flores de dona Laudelina Cotrim de Castro surgiram para ser roubadas por moços enamorados.

Eramos uma cidade sem grades, num tempo sem prisões morais e sustos. Em noites de serestas, as flores de Laudelina ficavam assanhadas à espera de quem as roubasse para levar às janelas das namoradas, noites de serestas sob céus enluarados.

Pulava-se a mureta do jardim num fingimento comum: ela fingia não ouvir passos mansos no jardim, nós fingíamos que a estávamos enganando.

Quando passo por lá, não consigo deixar de pensar nas flores de Laudelina. E, talvez por essa tristeza que surge não se sabe de onde ou porquê, dá-me uma vontade danada de pular o muro, roubar rosas em plena tarde chuvosa, sair caminhando em busca de um violão e, então, sentar na sarjeta e chamar os amigos para cantar modinha de coisas de amor.

Pois estão muito feios os nossos tempos e parece que vão enfeiando até mesmo o amor.

E, na tristeza repentina de uma tarde chuvosa, as flores de Laudelina pareceram aqueles «psius» que ela sabia dar quando se deparava com tolices das pessoas.

Um «psiu» que permanece no ar, diante das tolices que vimos fazendo nesse ir sem saber para onde, nesse vir sem ter para o quê voltar.


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SERIAM HUMANOS OU ANJOS? - Por António Carlos Affonso dos Santos - ACAS


SERIAM HUMANOS OU ANJOS? - Por António Carlos Affonso dos Santos - ACAS 

 Certa vez um senhor muito rico e poderoso, ao caminhar sozinho por uma rua deserta, na periferia da cidade em que morava, deparou-se com uma linda criança de seus cinco anos de idade.

Notou que a criança estava agachada próxima do leito de um pequeno e poluído córrego que passava por aquele bairro. Este senhor poderoso, olhou para os lados e percebeu que àquela hora da manhã daquele Domingo, na rua não havia ninguém, a não ser ele e aquela linda criança.

Então , tomou a decisão de aproximar-se da criança, que imóvel, continuava a olhar fixamente para o leito do córrego. Tocou a criança nas costas, esta virou-se e o olhou com um misto de curiosidade e perplexidade. O rico senhor notou então que aquela pobre e linda criança estava chorando em silêncio: seus lindos olhos azuis estavam marejados; a expressão do rosto muito triste.

- O que você tem e o que está fazendo aqui?
- Eu estou muito triste!, respondeu a criança. Ontem à noite eu não conseguia dormir e procurei minha boneca para me fazer companhia na cama e não a encontrei. Por fim voltei para a cama e consegui dormir, mas sonhei que a boneca estava morrendo afogada neste rio, e pedia socorro: a boneca queria que eu a salvasse!. E desse modo não consegui dormir mais.

Crónica de Gociante Patissa - COMO COLHER A SEMENTE


Crónica de Gociante Patissa - COMO COLHER A SEMENTE 

 Um ano depois, ficamos a saber, já com aquela inofensiva – sem deixar de ser sádica – alegria, que a ministra tinha sido exonerada. As razões à volta do facto eram-nos irrelevantes (mas explico lá mais adiante porquê).

Hoje, visitei a residência sede da Rádio Ecclesia (agora Diocesana), na cidade de Benguela, junto do Bispado, como não fazia há seis anos. Foi preciso algum esforço para disfarçar os sorrisos de nostalgia, no mínimo, para não ser tomado por visitante emparvecido, como se arrisca quem esbanja alegria sem contextualizar os vizinhos. Foi como se um balão do tempo me fizesse mergulhar nos bons anos de convivência. Nomes, momentos e jocosidades brotaram. Depois veio a noção de ausência, como que a escorregar entre os dedos. O tempo tem das suas: um dia aproxima-nos, noutro manda-nos para hemisférios desencontrados e com isso o desgaste dos afectos.

2004. Uma inusitada empatia unia-nos, quando o normal seria, provavelmente, nos vermos como rivais, uma vez concorrentes. Uns mais dotados que outros, havia também os que precisavam mais do emprego que outros, mas nada estragava o bom humor. Eramos cerca de dez jovens, anónimos por assim dizer, durante três meses de triagem para redactores - repórteres - noticiaristas, no contexto da iminente abertura da Ecclesia em Benguela (que acabou por não acontecer, por imperativos legais no consulado do ministro Hendrick Vaal Neto. Ainda hoje, está por sair a licença de emissão).


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Podemos viver sem medo? - Por Miriam Cristina Ubaldo


Podemos viver sem medo? - Por Miriam Cristina Ubaldo  

«Enquanto uns fazem amor, outros fazem guerra e ainda há quem consiga fazer as duas coisas ao mesmo tempo no mesmo espaço».

Vivemos tempos extremamente neuróticos e competitivos onde a busca da perfeição se torna a chave da sobrevivência. Resistimos a tufões, secas, terramotos, tsunamis, crises econômicas, guerras sociais e tantos outros holocaustos, mas ainda a maior guerra de todas travamos dentro de nós.

Martirizamo-nos todos os dias negando sentimentos, ocultando facetas, forjando condutas, sorrindo quando se deve chorar, chorando quando não se deve.

Tantas vezes somos o que não somos que um dia nos tornamos irreconhecíveis aos nossos próprios olhos e cobramos do outro aquilo que não podemos dar aquilo que nem sabemos que temos a ofertar. Não compreendemos nossos próprios atos, condutas, sentimentos e queremos ser compreendidos.

Vejam aí o contraste da hipocrisia, da verdade e da fantasia que caminham concomitantemente!

Quando nos abrimos para a reflexão, nos desnudamos diante da razão, encontramos o verdadeiro motivo de tanta confusão:

- O MEDO, no entanto aceitar a existência deste medo nos torna vulnerável e neste mundo neurótico e competitivo não há lugar para medos mesmo que ainda exista quem diga que o medo é preciso, nos torna cautelosos, no entanto, a idéia que nos norteia é a de que admitir tal coisa é permitir que nos esmaguem, é perder a credibilidade, o respeito é estar por baixo.


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As Cerejeiras do Japão - Por José Pedreira da Cruz


As Cerejeiras do Japão - Por José Pedreira da Cruz 

 Sou um brasileiro que vergonhosamente nunca viu um Pau Brasil (razão do batismo de meu País), esquecido por todos e quase que exterminado descaradamente pelo ganancioso vandalismo econômico no transcorrer de séculos, mas que muito admira a beleza exuberante do Sakura, ou «Sakurá», como se pronuncia em japonês; ou simplesmente cerejeira, como se diz por aqui.

Quando chega o mês de agosto as abelhas abrilhantam com seus zumbidos incessantes a festa das cerejeiras do Parque do Carmo: um dos maiores da cidade de São Paulo localizado na sua zona leste.

 A revoada de beija-flores e de insetos à procura do néctar das flores rosadas é intermitente e uma sensação de se estar envolvido com a natureza faz com que, todos os anos, este espaço ambiental se torne alvo da visitação pública, aonde os olhos se encantam com a beleza ímpar da florada das cerejeiras, sutilmente transformando em róseo tudo que por ali antes era verde.

 O quê deveria ser orgulhosamente chamado de festa do Pau Brasil, chama-se de festa do «Sakurá», isto em razão dos imigrantes japoneses terem pacientemente transladado oceanos com mudas de cerejeiras do Japão e presenteado o Brasil com sua árvore símbolo nacional, e que, anualmente, se jubilam com orgulho, cânticos, comilanças, danças, ritmos, respeito, alegria e admiração.

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A valsa do mendigo - Por Se Gyn


A valsa do mendigo - Por Se Gyn 

  Toda cidade é uma realidade inconfundível, com características muito próprias, que resultam num universo particular, que muda, se movimenta e expande, freneticamente.

 Dentro desta realidade, a população, um contingente de destinos, propósitos e necessidades, que se constitui na mola propulsora da vida e do movimento.

 A paisagem urbana muda - e, na mesma medida muda a paisagem humana. Uns poucos tipos remanescem pelos bairros, inafastáveis, como testemunhas de todas as mudanças - relojoeiros, corretores, alfaiates, malandros e... mendigos.

 No centro da cidade, existem pontos em que os mendigos se fixam, como que grudados à calçada ou amarrados aos postes da rede de energia elétrica. Marcam território, exigem reconhecimento da soberania sobre ele. Ninguém se mete...

 No cruzamento da avenida Anhangüera com a avenida Goiás, me lembro, havia um pedinte cego, que passava o dia agarrado à sanfona, massacrando a melodia de músicas sertanejas e nordestinas.

Batia teclas e cantava numa altura absurda, a ponto de superar todo o ruído ao redor e, chamar a atenção para si. Parava, conferia a latinha de moedas, agradecia ou praguejava baixinho, ajeitava os óculos escuros e, recomeçava.


JULINHA E A AMIGA FADA - Conto Infanto - Juvenil de Avómi (Cremilde Vieira da Cruz)


JULINHA E A AMIGA FADA - Conto Infanto - Juvenil de Avómi (Cremilde Vieira da Cruz)
 

A Julinha é uma menina inteligente, bonita, simpática, sempre atenta a tudo que lhe possa ser útil e quando está com outras crianças da sua idade, mas distraídas, não enaltece a sua sabedoria. Ela lê e escreve com desenvoltura e responde a certas perguntas como se de pessoa crescida se tratasse.

 As outras crianças encontram na Julinha algo diferente, já que tudo sabe e nunca se embaraça. Se lhe fazem uma pergunta e tem qualquer dúvida, diz:
- Espera aí um bocadinho, que vou consultar quem sabe mais que eu, para poder dar uma resposta correcta.

 Corre para o pai ou para a mãe, faz a pergunta e aquele que a esclarecer, fá-lo com todo o rigor. Dirige-se então a quem lhe fez a pergunta e, muito simplesmente, sem qualquer vaidade, explica até ao pormenor. Como se pode imaginar, a Julinha é o centro das atenções onde quer que esteja e é admirada por todos que a rodeiam.

 Uma vez ia a Julinha para o Colégio, encontrou uma menina lavada em lágrimas e tiritando de frio. Trazia um vestido muito velho e não tinha sapatos. Era Inverno e todas as pessoas andavam bem agasalhadas, por isso só podia tratar-se de criança muito necessitada. A Julinha dirigiu-se à menina, pôs-lhe a mão no ombro e perguntou-lhe porque chorava, ao que ela respondeu:
- Tenho frio e fome.




domingo, 12 de outubro de 2014

O Rei da Sarjeta - Texto de Marcelo Pirajá Sguassábia


O Rei da Sarjeta - Texto de Marcelo Pirajá Sguassábia 

«Eu vou tirar você da sarjeta». Felizmente, quis o destino que ninguém dissesse isso quando ele era um zé ninguém. O que a princípio soaria como uma ação redentora e beneficente, no caso dele seria uma maldição.

O infeliz que fizesse isso privaria o mundo da oportunidade de testemunhar a saga de um dos mais bem-sucedidos empreendedores de que se tem notícia. Um homem que fez história com o suor de seu rosto e a originalidade de suas sinapses, cantadas em verso e prosa até mesmo em nossa literatura de cordel.

 Claro, o começo foi duro. Da acanhada garagem da casa de seu tio, que limitava a produção a ridículos 11 metros de sarjeta/dia, Eustáquio passou para uma pista desativada de kart indoor, localizada na zona norte de Barbacena. Dali saíam ao menos 23.600 metros diários de suas vistosas e bem afamadas sarjetas, de variados acabamentos e tamanhos, para os mercados interno e externo. Isso em tempos de vacas magras.

 O crescimento vertiginoso, no entanto, se deu com o lançamento da Mult Kolours, a linha de sarjetas coloridas - lampejo que lhe veio à mente em meio a um delírio febril de caxumba. Com ela, Eustáquio punha fim à ditadura do cinza nas nossas vias de pedestres. Sarjetas pink, verde-limão e azul-calcinha tomaram de assalto a paisagem urbana, fazendo despencar as estatísticas de suicídio junto à população e elevando-as entre os psicanalistas, psiquiatras e pastores messiânicos.

A Marta - Conto de Daniel Teixeira


A Marta - Conto de Daniel Teixeira 

 Pensava muito eu, dizia-me ela, «Pensas e pensas, mas não é só da reflexão interior que as coisas saem. Se eu não tivesse tanto que fazer levava-te pela noite fora pelos bares até de madrugada…depois, bem, depois levavas-me a casa e talvez eu te convidasse a subir e tomar mais uma bebida…talvez, talvez…!» e depois ria-se naquele jeito sugestivo que eu tão bem lhe conhecia, acariciava-me as mãos, revolvia-me o cabelo e acabava por vezes com um beijo na testa.

Nunca daria em nada, em nada de especial, pensava eu, o sexo estava quase naturalmente afastado da nossa relação naquela altura e eu sabia bem, tinha aprendido isso tudo sem ter feito qualquer tentativa e aprendera também que era bem melhor nem sequer o tentar.

O receio de quebrar a estátua com algum grau de sacralidade que para mim era a Marta fazia-me conter, escolher caminhos de diversão e repetir constantemente para mim mesmo que o risco de tentar era demasiado elevado por maiores e mais sugestivas que fossem as acções e as palavras dela.

Talvez tenha esperado de mais, não sei, ou talvez tenha esperado justamente o tempo necessário. Eu não sei e acho que essas coisas nunca se sabem antes de terem o seu lugar. E é sempre melhor guardar esta incerteza, esta indefinição…é sempre melhor não se ficar com a sensação que se perdeu alguma coisa, ou que se perdeu muito.

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Poesia de Pedro Du Bois - Mãos; Trajetória Oposta; Responsável


Poesia de Pedro Du Bois - Mãos; Trajetória Oposta; Responsável


 Mãos

 

 A mão abranda: cabeça
 entre as mãos.

Mãos brancas entrecruzam o corpo.

Cabeça pendida
 entre as mãos.

Chora.

Mãos abarcam a sala
 e se tocam em calores e frios.

(Pedro Du Bois, inédito)



Poesia de Virgínia Teixeira - Dragão; Eclipse; A minha casa sonhada


Poesia de Virgínia Teixeira - Dragão; Eclipse; A minha casa sonhada 


Dragão



Corre veloz como se o que a persegue fosse o próprio fogo do Inferno
Sente as pernas fraquejarem mas sabe que não pode descansar
 Nada mares imensos como se mergulhasse no ventre materno
 Sobe montanhas com as mãos feridas e os pés descalços sem respirar

 Batalha monstros de cabeças mil que saem da terra sem aviso
Domina os dragões enviados para a incinerar, e escolhe o que a irá carregar
 Afaga-o com o carinho de quem não sabe o que é ternura nem um sorriso
E quando a noite cobre o mundo esconde-se nas asas do dragão sem sonhar

A alvorada enche o mundo de cor e alegria, e o dragão cospe fogo para a aquecer
Mas Ela não conhece a amizade e olha-o com desconfiança, de espada na mão
Os olhares encontram-se, o dragão que não entende a espada e Ela que não sabe crer

Mas ele, o dragão centenário que Ela pensa que dominou, possui uma sabedoria singular
 E deita-se aos pés da menina assustada, á mercê da espada que ela empunha sem razão
 E Ela, deixando o calor invadir-lhe o peito, encontra finalmente nas suas asas onde sonhar…


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sábado, 11 de outubro de 2014

Poesia de Sergio António Meneghetti - Quem é importante pra Deus?; Dominação e Liberdade


Poesia de Sergio António Meneghetti - Quem é importante pra Deus?; Dominação e Liberdade

 
 Quem é importante pra Deus?

 

 Quem é importante pra Deus?
 O pobre ou o Rico?
 O líder religioso ou o aprendiz?
 O patrão ou o empregado?
 O inteligente ou o ignorante?
 O governante ou o governado?
O mestre ou o discípulo?
 O professor ou o aluno?
 O bonito ou o feio?
 Raça X ou raça Y?
 Religião Z ou religião W?
 O rápido ou o lento?
 O crente ou o ateu?
 O forte ou o fraco?
 O famoso ou o anônimo?
 O pequeno ou o grande?
 O político ou o eleitor?
 O pensante ou o atuante?
 Eu ou você?
 O juiz ou o acusado?
 O amor ou a dor?

 Para Deus o mais importante é aquilo ou aquele que cumpre com o seu dever na evolução do mundo, mesmo que este aparente algo ou alguém ruim.
«Nada ou ninguém escapa do Amor Paterno».

Sergio Antonio Meneghetti 19/09/2014



Gilgamesh - Recolhido no Blogue Livres Pensantes


Gilgamesh - Recolhido no Blogue Livres Pensantes

A floresta de cedros

«Ninsun foi ao seu quarto, vestiu um vestido que lhe ficava bem, pôs jóias que lhe embelezavam o peito, colocou uma tiara na cabeça e as suas saias varriam o chão. Então subiu ao altar do Sol, que era no telhado do palácio; queimou incenso e levantou os braços para Shamash enquanto o fumo subia:

«Oh Shamash, porque deste tu este inquieto coração a Gilgamesh, meu filho? Porque lho deste? Tu o inspiraste, e agora eis que parte para uma longa viagem para a terra de Humbaba, a viajar por uma estrada desconhecida e a travar uma singular batalha. Portanto, desde o dia em que partir até regressar, até que chegue à floresta de cedro, até que mate Humbaba e destrua o mal, que tu, Shamash, abominas, não te esqueças dele; mas que a alvorada, Aya, a tua noiva querida, to recorde sempre; e, quando o dia cair, entrega-o ao vigilante da noite que o guarde do mal.»(...)

«Juntos [Gilgamesh e Endiku] desceram à floresta e chegaram à montanha verde. Ali pararam e ficaram tomados de mudez; pararam e contemplaram a floresta. Viram a altura do cedro, viram o caminho para a floresta e o carreiro onde Humbaba costumava passear. O caminho era largo e fácil de percorrer. Contemplaram a montanha de cedros, a morada dos deuses e o trono de Ishtar. A grandeza do cedro erguia-se diante da montanha, a sua sombra era bela e reconfortante; montanha e clareira eram verdes de mato.


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AUGUSTO DOS ANJOS – Poeta Singular - Por Pedro Luso de Carvalho (Blogue Panorama)


AUGUSTO DOS ANJOS – Poeta Singular -  Por Pedro Luso de Carvalho (Blogue Panorama)

 AUGUSTO DOS ANJOS nasceu no Engenho de Pau D’Arco, junto à vila Espírito Santo, Estado da Paraíba, no dia 20 de abril de 1884.

Aprendeu as primeiras letras com seu pai, advogado estudioso e dono de uma excelente biblioteca, na qual se encontravam obras de Darwin, Spencer e outros teóricos evolucionistas.

 Cursou o secundário no Liceu Paraibano e Direito em Recife. Essa graduação, no entanto, não lhe serviu como profissão, já que nunca exerceu a advocacia, por não ser essa sua vocação, mas, sim, o magistério. Lecionou literatura no Liceu Pernambucano, e, depois, já no Rio de Janeiro, foi professor de Geografia na Escola Normal e no Colégio Pedro II. Daí mudou-se para Leopoldina, no Estado de Minas Gerais, onde foi diretor de um grupo escolar.

 Diz-se que Augusto dos Anjos compôs os seus primeiros versos aos sete anos de idade. Mas o certo é que, mais tarde, a crítica chegaria a reconhecer ser ele o mais original dos poetas brasileiros, e de que poucos haverá, como ele, tão originais na língua portuguesa. E é bem verdade que, em vida, o poeta não pode sentir esse valor atribuído à sua poesia; esse reconhecimento só viria ocorrer anos mais tarde.

 Exemplo de que o reconhecimento da excepcional obra poética de Augusto dos Anjos parecia ter tido pouco significado na época em que fez, às suas expensas e com a ajuda de seu irmão, a publicação de seu livro «Eu», é contada por Francisco de Assis Barbosa, um dos mais importantes biógrafos do poeta:

 Dias depois de sua morte, ocorrida em Leopoldina, Orris Soares e Heitor Lima caminhavam pela Avenida Central e pararam na porta da Casa Lopes Fernandes para cumprimentar Olavo Bilac. O príncipe dos poetas notou a tristeza dos dois amigos, que acabaram de receber a notícia. – E quem é esse Augusto dos Anjos – perguntou. Diante do espanto de seus interlocutores, Bilac insistiu: Grande poeta? Não o conheço. Nunca ouvi falar nesse nome. Sabem alguma coisa dele? Heitor Lima recitou o soneto Versos a um coveiro. Bilac ouviu pacientemente, sem interrompê-lo. E, depois que o amigo terminou o último verso, sentenciou com um sorriso de superioridade: - Era esse o poeta? Ah!, então, fez bem em morrer. Não se perdeu grande coisa.



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