domingo, 30 de setembro de 2012

A Coluna de Abílio Pacheco - Aliquando bonus - crónica

 
A Coluna de Abílio Pacheco - Aliquando bonus - crónica 
 
«Aliquando bonus dormitat homerus», «de vez em quando o bom Homero cochila», ou «mesmo homens da grandeza de Homero cometem pequenos erros», ou simplesmente «até o sábio se engana».
 
Existem outros provérbios correlatos: «quem come um boi, se engasga com um mosquito», «mata cobras, teme lagartas», «quebra toras, tropeça em gravetos» ou o mais recente: «todo mundo tem cinco minutos de idiotice por dia».
 
Na literatura, acho que a frase de Mário de Andrade para conceituar o conto ilustra bem o ditado. O modernista heróico (!?) de São Paulo afirmou que conto é tudo aquilo que o autor chamar de conto. Poderia contrapô-lo apenas citando uma frase de Shakespeare na famosa cena da sacada: «se a rosa não se chamasse rosa, não teria por acaso o mesmo perfume?». Ou seja: não importa o nome que se dê para a coisa, ela não deixará ou passará a ser apenas por causa do nome que lhe derem ou lhe tirarem.
 
Mas o maior problema da frase de Mário de Andrade em seus cinco minutos de «desgenialidade» não está no fato dele a ter dito. Ele tem todo o direito de ter seu «aliquando bonus». O problema maior o quanto ela é repetida. Ora, a teoria é, por si, um terreno movediço. Para piorar, mestres e doutores em Letras repetem a exaustão esta afirmação instável. Talvez por isso tantos autores têm dúvidas sobre a diferença entre conto e crónica (existem outras dúvidas binárias que deixo para outras reflexões).
 
A explicação pode ser longa, deveria ser longa, mas simplifico. O conto (assim como as narrativas literárias maiores, a novela, o romance, a saga…), aprendi isto com a Professora Doutora em Literatura Tânia Sarmento - Pantoja, tem que ter conflito. A crónica, não. A crónica deve falar de assuntos relativos ao cotidiano.
 
Ela pode até ser narrativa, mas o conflito, se existir, estará a favor da informação cotidiana e não para causar suspense e levar o leitor à expectativa, até meio catártica, do clímax e do desfecho. Vejam as crónicas escritas a partir de notícias publicadas na Folha de São Paulo, pelo escritor gaúcho Moacyr Scliar e que o autor denominou de crónicas ficcionais. Não custa nada lembrar que o Bruxo do Cosme Velho também era costumaz em escrever crônicas ficcionais.
 
Para não ficar apenas num critério, vale acrescentar que o conflito é essencial para o conto e incidental para a crónica. Consequentemente poderíamos afirmar que o cotidiano é essencial para a crónica e incidental para o conto. Entretanto, o conto pouco se prende ao cotidiano e, quando se refere a este, procura diluir tempo presente tornando-o a - histórico. As crónicas ficcionais não se apresentam atemporais.
 
 
 
 

 
 

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