domingo, 30 de setembro de 2012

 
Jornal Raizonline nº 190 de 1 de Outubro de 2012 - COLUNA UM - Daniel Teixeira - As minhas memórias mais próximas (XI) - O esgotamento das vias

Todos nós sabemos que tudo tem um princípio e tudo tem um fim e isto é tanto verdade quanto verdadeira for a forma como se olham as coisas. Posso encontrar coisas sem fim, pelo menos imaginadas, porque o seu fim é inalcançável ou não é inteligível. Porque não encontro o fim dessas coisas, ou por causa da sua extensão ou da sua incompreensabilidade, assumo assim que dada coisa não tem fim.

Mas ao mesmo tempo, este não ter fim cheira sempre a convenção ocasional porque na verdade não entendemos nunca uma coisa sem fim, no sentido mais completo do termo, assim como não entendemos as coisas sem princípio e por isso mesmo estamos sempre a questionarmo-nos donde viemos nós, os seres humanos, como foi esta coisa organizada e depois vamos à pergunta que se segue que é saber porque razão seríamos nós os únicos seres a existirem no Universo.

Daí até chegarmos aos homens verdinhos vai normalmente um passo embora eu continue sem perceber porque lhes foi dada essa cor: cor de laranja não ficava mal, por exemplo...bem, isto de entender o princípio e o fim das coisas tem as suas implicações  e é um questionamento que tem de resvalar sempre para o domínio da fé, ou da metafísica se quisermos simplificar aqui, e isto para ter uma resposta que nos convenha mesmo que saibamos que ela é tão possível como outras.

A filosofia, ao longo dos tempos, teve sempre de criar dois postulados (que se confundem com axiomas mas não são evidentes): o tempo e o espaço. Ou seja, para isso nunca houve sequer a necessidade de encontrar explicações mais elaboradas porque se partiu sempre do princípio que eles são o «a priori» obrigatório da filosofia. Sem um e outro ou só com um não se faz nada, não se explica nada...funcionam como contentores de tudo mas nunca se soube o que eram ou como eram.
 
 
 

 
 
 
 
 
Sylvia Beirute - FRIEDRICH NIETZSCHE: POESIA, BIOGRAFIA, POEMAS. 
 
A poesia de Friedrich Wilhelm Nietzsche (Röcken, 15 de Outubro de 1844 — Weimar, 25 de Agosto de 1900) parte de uma ideia de civilização em construção, de um estabelecer individual de regras, uma aprendizagem diária como se esta adiasse a morte.
 
Este viver aparece sempre a meio caminho, sem menos ansiar o encontro e o desencontro, a ideia de busca pessoal e do homem que se faz a si mesmo através da experiência.
 
Esta filosofia latente aparece descrita de forma evidentemente simples, com recurso e com um pendor visual, sendo que este é uma espécie de ponte para os outros sentidos. Há neste poética um tom coloquial, um «tu» que intervém com um papel activamente passivo, provocando a lembrança e o alcance longínquo do pensamento.
 
Nestes «diálogos» pode-se apreciar o lado inusitado destes poemas, um lado eivado de ironia e sarcasmo, com imagens e metáforas que o carregam, por vezes desprezando uma beleza efectivamente bela, varrendo a alma de quem passa. («Queixas-te porque não encontras nada a teu gosto? / São então sempre os teus velhos caprichos / Ouço-te praguejar, gritar e escarrar... / Estou esgotado, o meu coração despedaça-se. / Ouve, meu caro, decide-te livremente. / A engolir um sapinho bem gordinho, / De uma só vez e sem olhar. / é remédio soberano para a dispepsia». em Remédio para o Pessimismo, do livro A Gaia Ciência).
 
Por outro lado, alguns dos poemas são notoriamente de desesperança, e nem todos de problematização mental. Espaçam-se no declive entre o desejar e o ter, devaneio e excentricidade, aventura e desilusão.
 
Mas no meio disto tudo há uma consciência lúcida, uma consciência que dá conselhos, pedindo ao poeta que se sirva do seu próprio esboço e se preencha a partir dele, confrontando-se depois com a vida em sociedade e com as pré-considerações dos outros.
 
 
 
 

 
 
Poesia de João Furtado - Em Boa Vista a seca Ribeira d'água; Depois da chuva; Enquanto existir Amor 
 
 
 Em Boa Vista a seca Ribeira d'água
 
 Em Boa Vista foi muita e torrencial
 E transbordou a seca Ribeira D`água
 Que se transformou em lagoa da mágoa
 E levou a ponte para o mar no seu caudal

 E com ela dois aventureiros emigrantes
 Desesperados por outra banda alcançar
 A vida é mesmo o jogo de sorte e azar
 Nem corpos para o consolo dos parentes

 
Depois da chuva
 
 O céu está alegre e lindo
 é a cor da esperança
 E a melhor lembrança
 Da chuva miúda do céu caindo!

 O castanho deu lugar ao verde
 Acho que deve ser assim
 Todos os anos, bem enfim
 Nunca vi tão verde o Cabo Verde!
 Deve ser da crescente idade

 
Enquanto existir Amor
 
 é no chilrear dos passarinhos
 Que recordo dos teus carinhos
 O Sol inicia a sua caminhada matinal
 E tudo está sereno e triunfal
 A paz parece reinar na Terra
 E distante deve estar a guerra
 Como bela está a natureza
 Que contemplo com surpresa
 Daqui, da minha janela
 Imagino-te, meu amor, tão bela

 
 
 Leia este tema completo a partir de 1/10/2012
 
 

 
 

A Coluna de Abílio Pacheco - Aliquando bonus - crónica

 
A Coluna de Abílio Pacheco - Aliquando bonus - crónica 
 
«Aliquando bonus dormitat homerus», «de vez em quando o bom Homero cochila», ou «mesmo homens da grandeza de Homero cometem pequenos erros», ou simplesmente «até o sábio se engana».
 
Existem outros provérbios correlatos: «quem come um boi, se engasga com um mosquito», «mata cobras, teme lagartas», «quebra toras, tropeça em gravetos» ou o mais recente: «todo mundo tem cinco minutos de idiotice por dia».
 
Na literatura, acho que a frase de Mário de Andrade para conceituar o conto ilustra bem o ditado. O modernista heróico (!?) de São Paulo afirmou que conto é tudo aquilo que o autor chamar de conto. Poderia contrapô-lo apenas citando uma frase de Shakespeare na famosa cena da sacada: «se a rosa não se chamasse rosa, não teria por acaso o mesmo perfume?». Ou seja: não importa o nome que se dê para a coisa, ela não deixará ou passará a ser apenas por causa do nome que lhe derem ou lhe tirarem.
 
Mas o maior problema da frase de Mário de Andrade em seus cinco minutos de «desgenialidade» não está no fato dele a ter dito. Ele tem todo o direito de ter seu «aliquando bonus». O problema maior o quanto ela é repetida. Ora, a teoria é, por si, um terreno movediço. Para piorar, mestres e doutores em Letras repetem a exaustão esta afirmação instável. Talvez por isso tantos autores têm dúvidas sobre a diferença entre conto e crónica (existem outras dúvidas binárias que deixo para outras reflexões).
 
A explicação pode ser longa, deveria ser longa, mas simplifico. O conto (assim como as narrativas literárias maiores, a novela, o romance, a saga…), aprendi isto com a Professora Doutora em Literatura Tânia Sarmento - Pantoja, tem que ter conflito. A crónica, não. A crónica deve falar de assuntos relativos ao cotidiano.
 
Ela pode até ser narrativa, mas o conflito, se existir, estará a favor da informação cotidiana e não para causar suspense e levar o leitor à expectativa, até meio catártica, do clímax e do desfecho. Vejam as crónicas escritas a partir de notícias publicadas na Folha de São Paulo, pelo escritor gaúcho Moacyr Scliar e que o autor denominou de crónicas ficcionais. Não custa nada lembrar que o Bruxo do Cosme Velho também era costumaz em escrever crônicas ficcionais.
 
Para não ficar apenas num critério, vale acrescentar que o conflito é essencial para o conto e incidental para a crónica. Consequentemente poderíamos afirmar que o cotidiano é essencial para a crónica e incidental para o conto. Entretanto, o conto pouco se prende ao cotidiano e, quando se refere a este, procura diluir tempo presente tornando-o a - histórico. As crónicas ficcionais não se apresentam atemporais.
 
 
 
 

 
 
 
UMA VIDA - Conto de Ilona Bastos
 
Segunda-feira - nove da manhã.
Entro para tomar um café. A esta hora, a pastelaria está cheia de gente, e os meus pensamentos são confusos. Anseio pela dose matinal de cafeína. Aproximo-me do balcão e, instintivamente, os meus olhos procuram o António, o empregado moreno e simpático que costuma reconhecer-me com prontidão e atender-me rapidamente.
 
Mas hoje o António não está atrás do balcão, como o fez durante quinze anos. Com choque, recordo-me de que partiu, no sábado passado, e de que em seu lugar foi contratado o Fernando, de cabelo branco e gesto atento.
 
Tolda-se-me o olhar e o espírito ao pensar no António e no que sobre ele aprendi na última semana.
Enquanto, maquinalmente, peço uma bica e observo o movimento de mãos, talheres, pires e chávenas, junto à máquina do café, lembro-me do antigo empregado. Habituada a vê-lo a todas as horas do dia (de manhã, ao almoço, ao lanche, e à saída, por volta das oito da noite) recordo-o frenético, imparável.
 
Febrilmente, não cessava de arrumar os bolos, limpar o balcão com um pano amarelo, servir cafés, embrulhar sanduíches e (parece-me, embora não o possa jurar) beber disfarçadamente uns goles de uma bebida que eu não conseguia identificar.
 
Suspeitava, portanto, dos seus braços de mangas arregaçadas, do seu olhar brilhante, do seu semblante demasiado corado, do seu murmurar por vezes incompreensível. Mas comovia-me a sua dedicação extrema à função, o saber do drama familiar que o privara da convivência com a mulher e o empurrara para um quartinho diminuto numa cave, de onde partia uma fileira de vasos, que aí colocou, com plantas variadas, que tão terna tornaram a entrada do edifício, até que a poeira, o vento e a chuva embaciaram as folhas e mataram as flores.
 
Só hoje sei como o quartinho da cave era pequeno e húmido, tão pobre e sem janela. Só hoje sei que ali existe uma cama de ferro com um colchão alto, forrado por uma colcha às flores, sobre a qual se acomodam duas almofadas. Só hoje sei que o acesso à cave é mais triste do que outrora imaginei, que é necessário ligar previamente o interruptor velho para que, em seguida à abertura da porta, não se rebole pelos degraus que antecedem o aposento. Só hoje sei que por detrás de uma cortina de tecido modesto se arrumam baldes e apetrechos de lavagem da escada. E foi aí que o António viveu.
 
 
 
 
 

 
 
 
Conto de Ilona Bastos - Fauna & Flora: PARA O MEL DAS ABELHAS
 
 
Sobre a relva molhada encontrámos um objecto encantador. Debruçámo-nos e segurámo-lo na ponta dos dedos em flama, trazendo-o até ao alcance do nosso olhar.
«Mas é uma flor!», exclamámos, com surpresa, observando o mimoso centro amarelo, rodeado de um tufo circular de delicados filamentos brancos.
 
Maior espanto nos tomou quando analisámos a base daquela pequena jóia e percebemos que se tratava de um daqueles cones, reboludos e cheirosos, semelhantes a botões antigos, que são os frutos do eucalipto.
 
Alargámos o nosso olhar em direcção ao céu e avistámo-los, os enormes eucaliptos. Lançámo-lo sobre a relva, em redor, e vislumbrámos dezenas dessas pequenas flores, aninhadas no tapete verde que a chuva molhara e o vento despenteara. Flores de eucalipto! Tantas!
 
Escolhi algumas, de entre as mais compostas (outras, pisadas, empurradas, esmagadas contra as pedras, haviam perdido o seu aprumo natural) e transportei-as cuidadosamente para o escritório.
 
Maravilhada, mostrava-as aos colegas de gabinete, às senhoras do apoio. E, para minha admiração, todos afirmavam nunca ter visto flores iguais!
 
Afinal, na Internet lá as encontrei, as flores do eucalipto, tão abundantes no nosso país de clima húmido e temperado! E soube que estas flores são das favoritas das abelhas, que dali fazem o seu mel!
 
 
 
 

 
 
 
Recordações de Faro - O Largo de S. Sebastião - Por João Brito Sousa 
 
O Largo desempenhou grande função social nas aldeias, vilas e cidades, pois era ali que, noutros tempos, se juntava gente aos magotes para comemorar qualquer coisa.
 
O Largo era o centro das localidades e era através do Largo que o povo comunicava com o mundo, como diz Manuel da Fonseca em «O Fogo e as Cinzas». Era ali que os viajantes se apeavam das diligências e contavam as novidades. Também à falta de notícias, era aí que se inventava alguma coisa que se parecesse com a verdade. Nada a destruía; tinha vindo do Largo.
 
Estas crónicas contribuem para aumentar o elo de ligação à cidade que continuo a adorar, porque Faro é a minha cidade, a cidade que muito contribuiu para o estatuto de homem que hoje possuo.
 
Falar de Faro, para mim, constitui uma aproximação às origens, e na minha escrita, apraz-me recordar locais e nomes de pessoas e contar algumas peripécias de outros tempos, que tenham acontecido comigo ou que tenha sido testemunha aí para essas bandas de S. Sebastião.
 
Quem entra em Faro e vem do lado do antigo Posto da Polícia de Viação e Trânsito em direcção ao refúgio Aboim Ascensão, à esquina da primeira rua à esquerda, que antigamente ia dar à estrada da Senhora da Saúde, ficava aí um estabelecimento comercial de comes e bebes e mercearia, salvo erro, cuja exploração pertencia a um polícia, cujo filho, o Zézinho «Polícia», que me parece estar a residir em Coimbra costumava andar aí com a gente.
 
Continuando em direcção ao Refúgio, primeira à direita é o Largo de S. Sebastião, zona de residência da minha colega de Magistério, a Professora Marciana. Gente «célebre» daí do meu tempo eram os irmãos Primitivo, o Jorge e o Teófilo, o Joaquim Padeiro, o Jorge Tavares e o Ludovico, todos lá da Escola Comercial.
 
 
 

 

A História dos homenzinhos de patins - de Sophie Carquain

 
A História dos homenzinhos de patins - de Sophie Carquain
 
Era uma vez um planeta onde se nascia, vivia e morria sobre patins.
Também se viajava, namorava e trabalhava sobre patins. O seu uso era obrigatório porque caminhar era um processo muito lento e tomava muito tempo. Alguns habitantes nem sequer tiravam os seus pés rolantes para dormir.
 
 Nunca ninguém chegava atrasado ao emprego ou às aulas. Só se falava o estritamente necessário, porque até as sílabas eram contabilizadas. Todas as actividades susceptíveis de nos fazer perder segundos preciosos eram proibidas: falar da chuva e do bom tempo, comprar bombons, arrastar-se,
de manhã, por casa, em peúgas, dançar o tango, ou ter bebés. Um bebé exige tempo e isso faz com que nos tornemos menos eficazes.
 
 Mas porque corriam as pessoas assim?
 
 Porque no planeta ao lado viviam uns seres cinzentos e tristes, que tinham decidido fazer das pessoas cavalos de corrida. Para isso, tinham-nas transformado em seres que apenas viviam para a velocidade e para o stress.
 
Esses seres faziam apostas e lançavam na lixeira intersideral as pessoas que perdessem a corrida. As pessoas não passavam de escravas…
 
O corpo humano não consegue viver a 500 quilómetros à hora e, assim, as pessoas passaram a sofrer de várias doenças, a mais catastrófica das quais era a das fracturas do crânio. Sempre que uma criança caía, o seu cérebro começava a encolher até ficar do tamanho de uma ervilha. Como estas fracturas eram cada vez mais frequentes, as pessoas ficavam cada vez menos inteligentes. Por isso, ninguém tivera ainda a ideia de inventar um capacete para proteger a cabeça.
 
 Mas os seres cinzentos e tristes estavam a ficar sem escravos e decidiram, então, inventar eles mesmos o capacete e tornar o seu uso obrigatório. Como as pessoas tinham o cérebro protegido, podiam utilizá-lo para pensar. Por exemplo, para pensar por que razão haviam de andar tão depressa.
 
 
 

 

Contos Curtos - Por: Emerson Wiskow - Quebra-Ossos; O primeiro dia de primavera; Alabama, chetchup, chicletes de hortelã.; Uma pequena história; James Dean

 
Contos Curtos - Por: Emerson Wiskow - Quebra-Ossos; O primeiro dia de primavera; Alabama, chetchup, chicletes de hortelã.; Uma pequena história; James Dean
 
Quebra-Ossos
 
 Em um pequeno hotel no centro da cidade.
 O cara que está tentando derrubar a porta é Joe Quebra - Ossos.
 Os apelidos dizem tudo. Sempre dizem.
BAM! BAAMM!!
 Enquanto ele bate na porta procuro minha arma. A merda é que deixei-a em algum lugar e não consigo me lembrar onde.
 A porta estala, sofre. Eu ouço os potentes pontapés explodirem. Quebra - Ossos deve estar furioso.
 A Moça me ligou em tempo para me avisar que ele viria.
 
O primeiro dia de primavera
 
 Marcos serviu-se de mais um pouco de café. Estava calmo e sereno como um cão vira -latas tomando banho de sol numa manhã preguiçosa. Pela primeira vez em anos ele comia novamente ovos mexidos no café da manhã.
 Marcos passou margarina no pão, depois deu uma dentada e bebeu um bom gole de café. No rádio o locutor anunciava um belo dia de céu limpo, sol e temperatura agradáveis. Ele sabia que era o primeiro dia de primavera. Era uma segunda-feira. Marcos olhou a passagem para o México e sorriu satisfeito. Ele tinha feito um bom serviço, mesmo sendo aquela sua primeira vez. O locutor continuou dando as notícias do dia e então Marcos se levantou e tirou da estação de rádio para colocar uma fita - cassete.
 
Alabama, chetchup, chicletes de hortelã.
 
 Alabama, chetchup, chicletes de hortelã. Passavam todas as imagens em minha cabeça. Todas e elas sumiram com a estalido que fez a porta do ônibus quando abriu. Alabama, eu me imaginava lá, tomando sol e vendo garotas sorridentes com bochechas rosadas. Todas correndo como doidas, felizes em irem a lanchonete para devorarem volumosos hot dogs com chetchup.
 
Uma pequena história
 
 No quarto ao lado havia uma negra de cabelos vermelhos. Pernas fortes, torneadas. Certa manhã ela surgiu na porta, muito séria, usava um sapato de salto alto, preto. Brilhava.
A negra, forte como um touro, músculos e fibras olhou-me com os olhos sonolentos. Estava enrolada numa toalha branca. Tinha bons peitos. Pensei em falar alguma coisa. Ela entrou sem dizer nada, antes mesmo de eu poder abrir a boca.
 
James Dean
 
 A primeira coisa que me chamou a atenção ao entrar no quarto dela foi um pôster gigante de James Dean na parede. Ficava na cabeceira de sua cama como a imagem de um Jesus Cristo.
Ele lançava um olhar perdido, descansando um cigarro na ponta da boca, tinha um olhar que eu jamais faria igual, uma beleza que eu não tinha e um Posche Carrera que eu jamais teria.
 
 
 

 
 

sábado, 29 de setembro de 2012

Alcoutim – Terra com História - Por Fernando Pessanha

 
Alcoutim – Terra com História - Por Fernando Pessanha
 
A presença humana no território correspondente ao concelho de Alcoutim poderá remontar ao Paleolítico Médio, uma vez que, recentemente, foram descobertos vestígios arqueológicos deste período na freguesia do Pereiro.
 
E é  provável que a fixação das populações humanas se tenha dado a partir do Neolítico, como podemos depreender pelos megálitos que se encontram espalhados um pouco por todo o concelho.
Também as necrópoles da Idade do Bronze e do Ferro apontam para a continuidade da ocupação das comunidades humanas no território.
 
Do período romano existem vestígios arqueológicos que atestam a existência de comunidades organizadas, sobretudo na zona litoral, onde se encontram os melhores terrenos agrícolas. Neste sentido, o rio Guadiana desempenhava um papel fundamental como via de penetração nos territórios a norte, assim como no escoamento de produtos de e para o Mediterrâneo.
 
Também a presença visigoda está atestada em Alcoutim. O sítio arqueológico junto à localidade ribeirinha do Montinho das Laranjeiras, a cerca de oito quilómetros a sul da vila, aponta para uma continuidade de ocupação visigoda neste espaço originalmente romano.
 
A presença islâmica em Alcoutim ficou registada não só na toponímia, como também numa centena de sítios identificados até ao momento. A conquista cristã teve lugar no reinado de D. Sancho II e terá ocorrido entre 1238, ano em que foi conquista Mértola, e 1239, ano da conquista de Ayamonte. O foral, concedido por D. Dinis, data de 9 de Janeiro de 1304 e viria a ser reformado por D. Manuel em 20 de Março de 1520.
 
Nos finais do séc. XV, Alcoutim tornou-se num condado dos marqueses de Vila Real. A família Meneses, que deu origem a diversos governadores de Ceuta, manteve este condado de Alcoutim até ao séc. XVII, quando os seus bens foram integrados na casa do infantado.
 
 
 
 

 

FLORBELA ESPANCA - Por Sanio Aguiar Morgado

 
FLORBELA ESPANCA - Por Sanio Aguiar Morgado
 
Naquela noite de 7 para 8 de Dezembro de 1930, Florbela Espanca avisou a sua criada Teresa de que não ia dormir no seu quarto habitual, do casal, mas noutro mais tranquilo e pediu-lhe para não ser despertada no dia seguinte. Disse-lhe, ainda, que andava com insónias e que queria dormir em paz...o máximo de tempo possível. Pela manhã, quando foi encontrada, era tarde demais Florbela morreu durante a noite, possivelmente às duas horas da manhã, à mesma hora e no mesmo dia em que tinha nascido, 36 anos antes.
 
O dia 8 de dezembro é o dia de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal, e curiosamente, Florbela Espanca nasceu a 8 de Dezembro (1894), casou a 8 de Dezembro de 1913, suicidou-se a 8 de dezembro de 1930, foi baptizada na igreja de Nª Sª da Conceição, aos 8 anos adotou o nome «da Conceição», e lecionou no colégio Nª Sªda Conceição, em Évora . O dia 8 de dezembro era ainda o aniversario da sua mãe, mãe que Florbela não conheceu bem.
 
Procurou incessantemente a felicidade no amor, mas a tragédia rondava sua vida, suas constantes decepções amorosas e finalmente a perda de seu irmão, amigo e confidente, através de cartas, selou sua desilusão pela vida.
 
O facto de ter assumido dois divórcios e três casamentos, numa época em que não era permitido a mulher tal liberdade, fez cair sobre ela o peso de uma sociedade austera, desumana, mesquinha e caluniosa. Perdia-se aí a maior poetisa de nossa língua.
 
Seu livro «Poesia Completa» na sua 5ª edição da Publicações Dom Quixote - Lisboa - em 2004 é particularmente especial para se compreender este ser tão especial.
 
Infelizmente até os dias de hoje há os que a julgam e condenem atribuindo-lhe o rótulo de libertina que ultrapassou as barreiras da natureza como sendo uma pessoa que escolheu as contradições «contra natura» que a conduziu a depressão e ao suicídio conforme publicação de nº 60 de maio de 2009 de «O Campanário» da paróquia de Ervidel.
 
 
 
 

 
 
Poesia de Florbela Espanca - Tarde no mar; Alma perdida; Pequenina
 
 
 
 Tarde no mar
 
 Florbela Espanca
 
A tarde é de oiro rútilo: esbraseia.
 O horizonte: um cacto purpurino.
 E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,

 
 Pousa o manto de arminho na areia
 E lá vai, e lá segue o seu destino!
 E o sol, nas casas brancas que incendeia,
 Desenha mãos sangrentas de assassino!

 
Alma perdida
 
 Florbela Espanca
 
Toda esta noite o rouxinol chorou,
 Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
 Alma de rouxinol, alma da gente,
 Tu és, talvez, alguém que se finou!

 
Tu és, talvez, um sonho que passou,
 Que se fundiu na Dor, suavemente...
 Talvez sejas a alma, a alma doente
 Dalguém que quis amar e nunca amou!

 
Pequenina
 
 
Florbela Espanca
 A Maria Helena Falcão Risques
 
 és pequenina e ris... A boca breve
 é um pequeno idílio cor-de-rosa...
 Haste de lírio frágil e mimoso!
 Cofre de beijos feito sonho e neve...

 
 Doce quimera que a nossa alma deve
 Ao Céu que assim te fez tão graciosa!
 Que nesta vida amarga e tormentosa
 Te fez nascer como um perfume leve!

 
 
 Leia este tema completo a partir de 1/10/2012
 
 
 

 
 

Fundação Logosófica – Em Prol da Superação Humana - São Paulo - Concepção logosófica das palavras - Acepção do vocábulo «humildade» - Carlos Bernardo González Pecotche – RAUMSOL

 
Fundação Logosófica – Em Prol da Superação Humana - São Paulo - Concepção logosófica das palavras - Acepção do vocábulo «humildade» - Carlos Bernardo González Pecotche – RAUMSOL 
 
Humildade.
 
– Virtude cristã que consiste no conhecimento de nossa baixeza e miséria, e em agir conforme ela. Ato de alguém se anular perante Deus ou de se considerar inferior ou de menos mérito ante os homens. Baixeza de nascimento ou de qualquer outra espécie.
 
Submissão, subordinação. Humildad de garabato: é a humildade falsa ou afetada. Teoria ascética: A humildade provém do conhecimento de nossa posição real perante Deus, de que nada valemos e de que tudo provém d´Ele. Com respeito à sociedade, é o conhecimento real do que devemos a ela, no que diz respeito à nossa formação moral, científica, social e religiosa.
 
– Ascética cristã: Base e fundamento de todas as virtudes, porque, sabendo de verdade quanto se vale, não se edificará sobre o erro e a falsidade. Sob este conceito, não se pode confundir com o pessimismo. Significa ser livre dos exageros do orgulho e, portanto, favorece o desenvolvimento normal de nossas faculdades e aptidões e nos habilita a corrigir as nossas deficiências. A humildade leva como distintivo a modéstia e a flexibilidade (não volubilidade) do juízo próprio. O verdadeiro humilde foge do fausto aparato exterior, é condescendente com o próximo. Tem certa desconfiança de seu próprio juízo e busca conselho do prudente e sábio.
(Diccionario Enciclopédico Espasa-Calpe.)
 
Vamos esmiuçar, neste estudo, o conteúdo da palavra humildade. Nele se poderá avaliar, de imediato, como o conceito logosófico difere quase que em absoluto do que se tem correntemente. E ainda que em alguns aspectos pareça coincidir com a opinião mais familiar ao entendimento humano, em sua descrição e em seu conteúdo se poderá ver, ao mesmo tempo, ao aprofundar-se na análise, uma pronunciada diferença.
 
 
 
 

 
 
 

Rio Maior - A exploração de carvão mineral - Por Lídia Frade

 
Rio Maior - A exploração de carvão mineral - Por Lídia Frade 
 
A chaminé da mina do Espadanal mede cerca de 70 metros e tem uma base geométrica poliédrica (não circular). Uma obra de arte única em toda esta vasta região. Pode ser avistada a muitos quilómetros de distância.
 
E é um ponto de referência em altitude para pequenas aeronaves. A mina de Rio Maior foi um grande projecto nacional que obteve êxito na integração, solidariedade, independência moral e material de portugueses desfavorecidos oriundos dos mais diversos pontos do território.
 
Os primeiros registos de carvão em Rio Maior datam dos anos 1915-1916. O jazigo foi explorado de forma intermitente até à Segunda Guerra Mundial, quando, face à grave escassez de combustíveis, foi considerado reserva nacional.
 
Iniciou-se então um período de avultados investimentos públicos na construção de estruturas e na adaptação do jazigo a uma exploração intensa. A mina funcionou em pleno entre os anos 40 e 50, em virtude da grande falta de combustíveis durante a 2ª Guerra Mundial.
 
 
 
 

 

Blogue Alcoutim Livre - José Varzeano - Montinho das Laranjeiras, dos «montes do rio», o mais próximo da vila

 
Blogue Alcoutim Livre - José Varzeano - Montinho das Laranjeiras, dos «montes do rio», o mais próximo da vila
 
A velha e ainda actual designação «Montes do Rio» engloba como várias vezes temos escrito o conjunto de pequenas povoações na margem direita do Guadiana situadas entre a foz da Ribeira de Cadavais e a foz da Ribeira de Odeleite. Quatro desses montes pertencem ao concelho de Alcoutim e um ao de Castro Marim ou seja a Foz de Odeleite, antigamente Odeleite - a - Menor.
 
Saindo de Alcoutim e seguindo o relativamente recente troço da estrada 507, vulgo estrada marginal, velha ambição dos alcoutenejos, só tornada realidade em finais da década de 80 do século passado, vamos percorrendo a via umas vezes sinuosa, outras nem tanto, mas tendo sempre por fundo o majestoso Guadiana, o grande rio do Sul, de águas profundas.
 
Passamos pela Cochoa, topónimo curioso e zona baixa com algum aproveitamento agrícola, pelo menos na primeira metade do século passado, o que ainda se nota pela arborização dos terrenos.

A sua origem não é clara. Segundo José Pedro Machado (1) existem os topónimos Casal da Cochoa e Quinta da Cachoa no centro do país e que será feminino de Cochom, um apelido antigo (séc. XIII) que significa comissário, cozinheiro, vendedor ambulante e que terá a ver com o francês cochon, leitão, porca. Por outro lado, os cochões e as cochoas eram as pessoas que iam na retaguarda dos exércitos peninsulares, no séc. XIII. Não terá a ver, perguntamos nós, com a existência no local de porcos selvagens (javalis)?
 
Mais à frente, passamos no sopé da elevação onde se encontra o antigo posto da Guarda Fiscal designado por «Alcaçarinho», hoje transformado em residência, tendo sido o primeiro adquirido na década de sessenta do século passado à Fazenda Nacional. Nas proximidades uma das maiores e melhores várzeas do Guadiana, conhecida por várzea do Alcaçarinho e que foi propriedade de José Dionísio, do Balurco de Baixo e que depois foi adquirida por um cidadão alemão. Alcácer, castelo em árabe.
 
 
 
 

 
 

O Convite à Viagem - Cristina Branco

 
O Convite à Viagem - Cristina Branco 
 
Se Cristina Branco estivesse virada para se inventar problemas, tinha a fórmula perfeita para um mesmo à mão. A saber: ela que, desde o início, fez questão de sublinhar que, apesar de cantar fados, não se via como fadista (ou, pelo menos, do modo como, tradicionalmente, se encara o «ser fadista»), agora que confessa sentir-se mais próxima do que nunca do espírito do fado, tanto em concerto como em disco, a percentagem de fados que inclui tende a encolher seriamente.
 
E, quando lhe chamo a atenção para que isso volta a acontecer no novíssimo Não Há Só Tangos Em Paris, primeiro contra-ataca («Mas estão lá dois fados tradicionais!...») e, depois, encaracolando a argumentação, acaba por levar a água ao seu moinho: «Eu diria até que é um encontro definitivo com o fado mais tradicional. Acho que me identifico mais, agora, com certos fados e, na forma como o interpreto, sinto que já consigo dizer o que quero através dele. Não é uma coisa de agora, se calhar, já vem desde o Live, nos concertos aparecem fados tradicionais. Sou mais crescida.
 
E é preciso maturidade. E maturidade vocal. Hoje, posso dizer que é assim que o sinto, esse é o meu fado. Antes, parecia um pardalito a cantar. Tanto pelo timbre como pela forma de interpretar. O palco e o que vamos ouvindo, o eco da nossa voz e a nossa experiência artística que nos dá isso, não é só a vida. Não me venham com essas tretas, não sou uma mulher sofrida, uma «mulher do fado»... nada disso, muito pelo contrário, acho que tenho uma vida perfeitamente normal».
 
Porquê, então, esta bissectriz entre fado e tango? «Gosto de me reinventar nas músicas e de descobrir coisas novas nelas, como se estivessem escondidas atrás de algumas palavras E, acima de tudo, porque têm muito em comum: ouvindo discos antigos do Gardel, de repente, dizia «Caramba, isto é um fado!...».
 
Tal como se poderia afirmar que «A Moda das Tranças Pretas» é um tango... «Exactamente!» Porém, o índice de surpresas - não - fado neste álbum vai bastante mais longe do que isso, acolhendo também «Les Désesperés», de Jacques Brel, ou uma inesperada melodia de João Paulo Esteves da Silva para a «Invitation Au Voyage», de Baudelaire’...»
 
 Leia este tema completo a partir de 1/10/2012
 
 

 
 

Conto sentido - Conto de Daniel Teixeira

 
Conto sentido - Conto de Daniel Teixeira 
 
Era uma vez uma família pequena, só pai, mãe e dois filhos um dos quais ainda de peito. Viviam numa pequena quinta que era propriedade do senhor e pagavam pelo arrendamento um terço das suas colheitas. Pai e mãe trabalhavam muito.
 
O filho mais velho, com apenas cinco anos, ajudava no que podia com a sua idade, tratando do irmão quando a mãe tinha de ir trabalhar, indo buscar água ao poço, dando de comer às galinhas e a um porco que tinham num chiqueiro, que é assim como que um cercado que era só dele, porco, e onde ele chafurdava e tinha duas gamelas, uma para a água e outra para os restos dos alimentos que sobravam das parcas refeições em casa.
 
Andava um dia o porco a chafurdar na terra e o seu focinho sentiu uma coisa mais dura do que as pedras que encontrava quando ia mais fundo tentando desbravar as raízes das plantas. Não chamou ninguém para ir ver do que se tratava, porque não falava e nem sequer isso lhe viria à ideia caso falasse, e se tivesse ideia.
 
Mas ficou curioso como só os porcos sabem ficar: quer dizer, a maneira que os porcos têm de se mostrarem curiosos e intrigados é voltarem várias vezes ao mesmo sítio e insistirem - neste caso tentando por a descoberto - e ver e cheirar o que os intriga.
 
Foi, o porco, fazendo uma buraco cada vez mais fundo mas também cada vez mais largo e a tal coisa mais rija que as pedras que encontrava enterradas ia-se mostrando cada vez maior, mais larga e mantinha-se tão rija quanto antes.
 
Não pensava - se pensasse - o porco, em pedir ajuda para por a descoberto aquilo que o intrigava e pensava (se pensasse) em tudo o que era possível: uma caixa cheia de cenouras era o mais provável que ele pensasse se pensasse uma vez que gostava muito de cenouras e isto de falar aqui de cenouras como hipótese é o narrador a imaginar porque neste tempo já os animais tinham sido desprovidos do dom de falar tal como do dom de pensar como foi visto mais acima.
 
Eram tenrinhas, as cenouras, e davam-lhe descanso aos dentes para além de escorregarem facilmente para o seu estômago pois quase se desfaziam na boca.
 
Levou nisto bastantes dias, o porco, talvez três na vida dos homens e não se sabe quantos na vida dos porcos e enquanto resfolgava cansado deitado perto da sua casinhota ia sonhando (se sonhasse) com um rico manjar de cenouras rosadas, com rama, de preferência - fazia questão disso, de terem rama, as cenouras. Para ele cenouras sem rama eram tão raras que praticamente achava que eram frutos (não sabia o que eram tubérculos) defeituosos.
 
 
 

 

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Eduardo Ferreira Moura - Conto: Ninguém

 
Eduardo Ferreira Moura - Conto: Ninguém  
 
Todo babaca acha que exerce uma profissão muito peculiar. Uma regra, quase uma lei, reescrita pela fala do povo todos os dias:
 - Taxista não é mole.
 - Vida de pedreiro é fogo.
 - Você não imagina como é ser esposa de cirurgião dentista.
 
Todos acreditam que suas funções têm peculiaridades que as tornam únicas em meio a esse oceano de ocupações inventadas para resolver problemas que não existiam antes das suas invenções. Assim, todos se disfarçam de ninguém. E ninguém é feliz.
 
Sou ajudante de entrega há três anos. Não vou cair no erro fácil de dizer que a vida de ajudante de entrega não é fácil. Até porque seria mentira. Há peculiaridades, mas não posso dizer que esses três anos na boléia do Guido tenham sido exatamente difíceis.
 
Guido é o motorista. Ele não é de falar, por isso gosto dele. Não sei se ele gosta de mim, porque ele nunca disse. Mas acho que isso é gostar, no mundo dele. Também no meu. Nesses três anos dividindo a mesma boléia em silêncio, posso dizer que a gente se conhece bem.
 
 
 
 

 
 

A oratura em Angola (trecho do livro Luanda, literatura e cidade) - Por: Profa. Dra. Tania Macêdo recolhido por Gossiante Patissa

 
A oratura em Angola (trecho do livro Luanda, literatura e cidade) - Por: Profa. Dra. Tania Macêdo recolhido por Gossiante Patissa
 
Dadas as numerosas formas de manifestação que a oratura tradicional angolana assume – a música, a poesia, as narrativas e os provérbios e até os testos ou tampas de panela[1] – optamos por seguir a classificação proposta por Héli Chatelain a propósito dos quimbundo, a qual, deve-se frisar, não colide com a de outros estudiosos[2] como, por exemplo, Oscar Ribas (1964).

Dessa maneira, pode-se afirmar que as manifestações culturais orais angolanas classificam-se em seis classes principais:

· a primeira delas inclui todas as estórias tradicionais de ficção, inclusive aquelas em que os protagonistas são animais. Segundo Chatelain, elas «devem conter algo de maravilhoso, de sobrenatural. Quando personificamos animais, as fábulas pertencem a esta classe, sendo estas histórias, no falar nativo, chamadas de MI-SOSO. Começam e findam sempre por uma fórmula especial» (CHATELAIN, 1964, p. 102)

A forma especial de intróito dessas narrativas se dá graças a uma utilização idiomática do verbo ku-ta, que significa «contar», «falar», «expor». Uma tradução do uso específico desse verbo nas narrativas tradicionais equivaleria aproximadamente a «por uma estória». Esse uso se observa quando o contador dá início à narrativa com:

«Vou por uma estória». A que o auditório prontamente responde: «Venha ela» («Diize») Já com relação ao fecho das narrativas tradicionais, é Oscar Ribas quem informa: No encerramento, diz-se: «Já expus (Ngateletele) a minha historiazinha. Se é bonita, se é feia, vocês é que sabem.» Quando a história é pequena, finaliza-se: «Uma criança não põe uma história comprida, senão nasce-lhe um rabo!» (RIBAS, 1964, p. 28).
 
 
 


 
 

Eduardo Ferreira Moura - As Primeiras Pererecas

 
Eduardo Ferreira Moura - As Primeiras Pererecas
 
Desde muito cedo descobri que Física pode ser frustrante, principalmente quando funciona. Em todas as farmácias e padarias, e nunca entendi porque exatamente nesses estabelecimentos, haviam máquinas em que depositávamos moedas de vinte e cinco centavos, e após girarmos uma manivela faziam nada.
 
Uma manivela, veja só, acho que os filhos do Século XXI não sabem o que é isso. Então era necessário chamar o balconista, que depois de uns tabefes na máquina, normalmente vermelha e com uma redoma de vidro, te entregava umas bolinhas incríveis.
 
Chamávamos de bolinha pula pula ou simplesmente perereca. Algumas máquinas também cuspiam chiclete, o que inevitavelmente me compelia a colocar as pererecas na boca para ter certeza do que acabara de comprar.

Foram dezenas as pererecas que tive antes dos dez anos, a maioria obtida através do dinheiro roubado do pires do buda que decorava a sala de estar da vovó. Pererecas absolutamente incríveis, de padrões caleidoscópicos e que pulavam indefinidamente em matéria de trajetória e intensidade.
 
Tinham o diâmetro perfeito para interromper a glote dos menos afortunados ou rolarem por debaixo das solas desavisadas.
 
 
 
 

 

Paulo Arraiano - Arte Urbana - Paulo Arraiano aka YUP

 
Paulo Arraiano - Arte Urbana - Paulo Arraiano aka YUP
 
Na fluidez orgânica de linhas, personagens, formas, cores e composições que formam o universo visual de Paulo Arraiano, reside uma dualidade que funde o natural e o artificial, natureza e urbanidade, emergência e criação.
 
Na intersecção entre estes dois mundos aparentemente opostos e exclusivos, conseguiu estabelecer um novo equilíbrio que emerge da energia primitiva que flui entre um e o outro e se encontra na raiz da linguagem visual que criou e que expressa de forma tão intensa.
Neste universo, o abrangente nom de guerre Yup é uma exclamação de positividade, uma exortação à vida de forma intensa, ao movimento primordial que é canalizado através dessas mesmas linhas, desses mesmos meridianos que expressam o sujeito do desenho na sua forma mais pura e essencial.
 
 Tendo crescido como filho único, numa dieta de animação japonesa e americana, BD belga e blocos de Lego, relembra a importância que o seu pai teve, enquanto arquitecto, em transmitir a sua paixão pelo desenho, assim como a importância da sua mãe, enquanto jornalista e escritora, pelo seu amor pelos livros e a palavra escrita.
 
Mais tarde, durante os anos estouvados e angustiados da sua adolescência, travou conhecimento com a prática de skate e o interesse pela cultura gráfica e visual derivada da rebeldia, música alta e a agressividade do meio urbano.
 
E, contudo, mesmo então o seu outro lado viria a balançar esta tendência com a fluidez e harmonia do oceano, com uma necessidade primária pela natureza, pelo surf e o amor pelas boas vibrações e a irie soul da música jamaicana e outros ritmos naturais e acústicos.
 
 
 
 

 

GRAFITISMO – Arte ou vandalismo? - por Augusto Martins - Publicado em «Tema da Semana» no site da Facebook - «Faro, Costumes e Tradições».

 
GRAFITISMO – Arte ou vandalismo? - por Augusto Martins -  Publicado em «Tema da Semana» no site da Facebook - «Faro, Costumes e Tradições».
 
Grafitti, Grafite ou grafito é o nome dado às inscrições feitas em paredes, que remontam ao Império Romano.
Considera-se normalmente grafitti uma inscrição caligrafada ou um desenho pintado ou gravado sobre um suporte que não é normalmente previsto para esta finalidade.

Durante muito tempo visto como um assunto irrelevante ou mera contestação, actualmente o grafitti já é considerado como forma de expressão incluída no âmbito das artes visuais, mais especificamente, da street art ou arte urbana - em que o artista aproveita os espaços públicos, criando uma linguagem intencional para interferir na cidade.
Entretanto também há quem não concorde, comparando o grafitti com os actos de destruição do património público praticados por vândalos.

Normalmente distingue-se o grafitti, de elaboração mais complexa, da simples inscrição, quase sempre considerada como contravenção. No entanto, muitos grafitistas respeitáveis admitem ter um passado de rabiscadores.
 
A partir do movimento contra cultural de maio de 1968, quando os muros de Paris foram suporte para inscrições de carácter  poético - político, a prática do grafitti generalizou-se por todo o mundo, em diferentes contextos, tipos e estilos, que vão do simples rabisco ou de tags repetidas ad nauseam, como uma espécie de demarcação de território, até grandes murais executados em espaços especialmente designados para tal, ganhando status de verdadeiras obras de arte.
 
Os grafittis podem também estar associados a diferentes movimentos e tribos urbanas, como o hip-hop, e a variados graus de transgressão.
 
 
 
 

 
 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Crónicas e ficções soltas - Alcoutim - Recordações XXXVII - Por Daniel Teixeira - As cilhas

 
Crónicas e ficções soltas - Alcoutim - Recordações XXXVII - Por Daniel Teixeira - As cilhas
 
Por vezes posso dar a impressão que partilho daquela ideia citadina de que os montanheiros trabalham pouco (ou quase nada, nalgumas afirmações) porque quando vamos a uma aldeia ou Monte um pouco antes da hora do almoço e logo depois desta hora os encontramos normalmente sentados nos poiais das suas casas, ou no caso também nos poiais das tabernas, isto sobretudo no Verão que é quando o pessoal se aventurava a andar por lá de carro.

Os caminhos de terra batida eram muitas vezes autênticos lagos no Inverno, a visão do estado da estrada por debaixo do lençol de água era necessária e não a havia e era frequente entre covas e pedras haver uma porradas valentes na parte de baixo do carro que mesmo blindados não chegavam para as encomendas. Ainda amolguei uma dessas chapas uma vez, mesmo indo a passo de boi e era uma chatice maior porque não havia material para as endireitar (prensas) provisoriamente e acabavam por ficar a ferir as partes interiores do material mais sensível que essas chapas tinham por função proteger.
 
Por isso, e não só, no meu caso, as viagens eram feitas sobretudo em período fora das chuvadas o que apanhava muitas vezes o pino do Verão e era então que encontrávamos o pessoal todo abrigado da calma, à sombra ou mesmo dormindo a sesta o que podia ter lugar em qualquer lado que não nos entortasse muito as costas. Os poiais eram o supra sumo da soneca, com largura a jeito e comprimento a gosto, com as mãos atrás da cabeça a fazer de travesseiro era uma categoria mesmo.

Bem, como já escrevi noutras crónicas o pessoal nestas alturas levantava-se extremamente cedo, por vezes faziam-se a caminho ainda de noite de forma a chegar ao alvorecer às hortas e quando se chegava lá ou pelo caminho tinha-se oportunidade de sentir e ver por vezes uma variedade grande de bicharada «exótica», desde os fugidios coelhos aos não menos assustadiços furões. Para cobras ainda era cedo mas havia por lá autênticas pitons que embora não estivessem ali senão a tratar da sua vida eram um pouco assustadoras e bem camufladas nas suas cores que quase as pisávamos.