quinta-feira, 17 de abril de 2014

O soldado desconhecido - Crónica de Daniel Teixeira


O soldado desconhecido - Crónica de Daniel Teixeira 

 Naquele dia o Narciso chamou-me, ia eu passando em frente à Igreja dos Capuchos, em Faro, que estava de portas abertas o que era sinal de que havia lá um defunto a ser velado. Ele estava à porta da Igreja quando me viu e disse-me para ir ali «ver aquilo» e aquilo era um defunto no caixão vestido com um pijama de hospital.

Eu conhecia o moço, disse-me ele, mas eu não o consegui conhecer, não porque estivesse desfigurado mas porque não conhecia mesmo mas o Narciso insistiu que eu conhecia sim, que era um moço que morava para os lados do sítio do Escuro e que ajudava a Tia Adélia, a dona da taberna, a arrumar as grades das cervejas e noutros trabalhos mais pesados que ela já não podia fazer porque já era velhota, a Tia Adélia, e era viúva.

 Eu praticamente nem conhecia também o Narciso, ele é que me conhecia a mim, pode parecer estranho mas é mesmo assim, ele falava-me sempre como se fossemos conhecidos de longa data e eu não me lembrava de alguma vez o ter encontrado senão num dia em que ele foi receber uma renda de uma casa ao escritório porque a gente tinha ficado encarregados de receber essa renda e naquele dia apareceu ele e não a mulher dele como era costume e ele então disse: «Então és tu que estás aqui? Vê lá que a minha mulher nunca me disse que eras tu que aqui estavas!» e ficou muito admirado disso mas eu também não conhecia a mulher dele assim como ele pensava que eu a conhecia e nem ela me conhecia assim como ele pensava que ela me conhecia.


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