terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Jornal Raizonline nº 261 de 10 de Dezembro de 2014 - COLUNA UM - Daniel Teixeira - Os anos da miséria


Jornal Raizonline nº 261 de  10 de Dezembro de 2014 - COLUNA UM - Daniel Teixeira - Os anos da miséria

Viver em Portugal nunca foi fácil: basta ler alguns dos nossos clássicos, descontando aqueles que fizeram apologias em curtos períodos da nossa história, para ficarmos certos que umas vezes com razão outras sem muita razão, rara é a perspectiva positiva sobre o ser-se português em Portugal.

Camilo Castelo Branco, numa resenha crítica que faz sobre Camões, diz com o sentido de humor corrosivo que se lhe reconhece, que não se quer, na nossa literatura, um Camões sorridente, feliz, quer-se um Camões torturado pela desgraça, um sofredor.

Em certo sentido, com mais humor ou menos humor, uma parte substancial - bem substancial frise-se - da nossa história retém, preferentemente, as partes «choramingas» e com raras excepções o português pela-se por uma boa angústia que venha antes ou após o jantar.

Em rigor pode dizer-se que o português médio (de uma média transversal numérica e de classe) fica feliz apenas quando refere uma forma da desgraça do seu ser português em Portugal. António Gedeão (salvo erro) diz num dos seus poemas que «não é impunemente que se nasce em Portugal». Ou seja, tem de se pagar um preço e para os mais pessimistas o total a pagar nunca se acaba.

Estamos no período de Natal e nesta altura, quando tal é possível por ainda existir margem - o tal referido português das duas médias acima referidas - fica ainda mais triste. Dentro da sua tristeza intrínseca quase permanente junta-se a tristeza que vem do calendário. Uma e outra formam um todo avassalador, nalguns casos.

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domingo, 7 de dezembro de 2014

Poesia de Pedro Du Bois - Heróis; Trair; Viver


Poesia de Pedro Du Bois - Heróis; Trair; Viver

 

 

 Heróis

 

 No tempo vive segundos
 de glória. O restante da façanha
 conta em casa e no bar
da esquina: focalizado
 no instante do espetáculo.

 Sorri o estado calamitoso
 das essências: não é
 o mesmo.

 Nos estertores da glória
 restam resquícios de histórias.

 (Pedro Du Bois, inédito)






Poesia de Virgínia Teixeira - Uns e outros; Inverno; Menina, Mulher, Mãe, Companheira


Poesia de Virgínia Teixeira - Uns e outros; Inverno; Menina, Mulher, Mãe, Companheira



 
Uns e outros



Para uns o fado é a tristeza
Arrastam consigo o sofrimento e a saudade
 Outros caminham pela Vida com leveza
E despedem-se sem lágrimas nem contrariedade

Uns carregam no peito as lágrimas de uma vida
E trazem o olhar húmido de melancolia
Outros trazem no peito uma alegria incontida
E no olhar um sorriso sem hipocrisia

Uns passam pelos dias sem nada vislumbrar
Outros abraçam a Vida com alegria
Uns tornam-se cegos pela cortina de lágrimas no olhar

Outros caminham como quem dança
Mas uns e outros são irmãos no dia da morte
Cadáveres apenas, qualquer que tenha sido a sua sorte.


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Ao Domingo Há Música - Carlos do Carmo


Ao Domingo Há Música - Carlos do Carmo

in Blogue Livres Pensantes


No dia em que Carlos do Carmo recebeu o Grammy «Lifetime Achievement Award», foi-lhe prestada uma homenagem pela Rádio Comercial com trinta e cinco artistas a cantar «Lisboa Menina e Moça». Um fado que se tornou um tema emblemático de Lisboa, do Fado e da carreira de Carlos do Carmo com poema de José Carlos Ary dos Santos, Joaquim Pessoa e Fernando Tordo e música de Paulo de Carvalho.

Foi com «grande emoção e imensa surpresa que Carlos do Carmo recebeu a notícia de ter sido escolhido para o prémio: «tive conhecimento do prémio através de um telefonema do presidente da Academia, que me ligou para casa. Tenho de confessar que durante os primeiros cinco ou dez minutos pensei que fosse uma brincadeira, até porque há aí uma rapaziada do stand up com uma graça incrível, que faz umas imitações bestiais e eu estava desconfiado».

E foi com um «e viva Portugal!», que Carlos do Carmo terminou o discurso de agradecimento na cerimónia de entrega do Grammy Latino de Carreira, que decorreu na quarta-feira, 19 de Novembro, no Hollywood MGM Theatre, em Las Vegas, nos Estados Unidos.

 O «Board of Trustees» da Latin Academy of Recording Arts and Sciences decidiu, por unanimidade, atribuir a Carlos do Carmo o «Lifetime Achievement Award», galardão que distingue a obra das grandes referências do panorama musical internacional», segundo comunicado da academia.


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sábado, 6 de dezembro de 2014

O preço dos figos - Conto de Daniel Teixeira


O preço dos figos - Conto de Daniel Teixeira

 De calças compridas dali onde estava, eu nada percebia no seu corpo levantando-se e baixando-se sob uma figueira. De costas abaixadas aqui rente ao chão, a pessoa que eu via logo levantava o dorso mais além num emaranhado de ramos e ramagem onde despontavam pequenos pontos arroxeados.

Virou-se então um pouco e ainda ao longe na minha direcção e eu, incerto, penso ter divisado um volume de seios. Talvez fosse uma mulher que colhia figos e que olhava de quando em vez em redor de si e das figueiras como se estivesse receosa. E devia estar, pensei eu.

 As figueiras que pontuavam pelo pequeno monte não eram daquela pessoa, isso eu sabia e talvez fossem - e isso eu não sabia bem - de um homem de meia idade parecendo um pouco sujo e de barba salteada que por ali cirandava de quando em vez com um feltro escuro na cabeça e um colete sobre a camisa.

 E então a pessoa que apanhava figos deslocou-se para uma outra árvore que estava mais perto do local onde eu observava e eu então vi perfeitamente que se tratava de uma mulher de cabelo enrolado em quase carrapito e um chapéu de palha que me pareceu desfiado nos bordos que transportava duas largas cestas de verga.

Eu não tinha nada a ver com isso, quer dizer, nada tinha a ver com os figos e eles eram tantos ao longo das figueiras na pequena encosta que mesmo que estivessem a ser roubados pouca diferença fariam ao homem um pouco sujo do colete e do chapéu de feltro, se ele fosse mesmo o dono das árvores o que eu não sabia.


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A visita do Tio João - Conto de João Furtado


A visita do Tio João - Conto de João Furtado

A única riqueza que lhe restava era a vida. Com setenta e poucos anos parecia ter mais de oitenta. Todo curvo e cheio de reumatismo.

Os amigos foram se escasseando, os mais novos ocupados com a vida e os mais velhos iam aos poucos para a verdadeira morada. Os vizinhos iam se trocando e os novos inquilinos vieram vacinados e imunes do conhecido e tradicionais «olá», «bom dia», «boa tarde» ou «até amanha, se Deus quiser». As famílias? Também foram vacinados, estamos no mundo das vacinas e das imunidades.

Ele comprou um apartamento onde morava com a mulher e dois filhos, em Carnaxide, não muito longe de Lisboa. Os filhos com a febre da emigração e a falta de trabalho digno emigraram. Foram para a França.

Certo dia a mulher adoeceu e ele fez tudo para que ela se curasse, mas o câncer foi mais forte. Dois anos depois e com muita dor e sofrimento ela recebeu a visita do Senhor e teve a Paz da Alma. Foi um alívio, para ela que tanto sofria e para ele que não sofria menos vendo sua amada a sofrer.

A partir daquele dia o céu apareceu mais cinzento, o sorriso menos alegre e o andar mais cansado. Recolheu-se a casa e só saia para ir a mercearia. Falava com o dono da mercearia, quem lhe dava algumas vezes fiado e ele pagava quando recebia a pensão. Depois de algum tempo só o merceeiro sabia que ele era o Tio João. O Tio João era cada vez mais uma sombra ambulante.

Certa noite, depois de passar por mercearia e saldar todas as suas dívidas foi para o seu apartamento descansar. Era o que fazia diariamente. Descansava enquanto a cidade continuava a viver acordada dia e noite. Naquele dia não foi a excepção. Lá fora continuava a vida, carros a passarem, mulheres e homens a falarem dos seus problemas, jovens a namorarem, prostitutas e prostitutos a prostituírem… Enfim o normal do dia-a-dia.


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Coluna de Liliana Josué - Conto - QUANDO AS FOLHAS CAEM


Coluna de Liliana Josué - Conto - QUANDO AS FOLHAS CAEM 

O velho Manuel era um homem alto e pesado; olhos pequenos, ligeiramente rasgados e brilhantes, de tom pardo e vivos como os de uma criança.

Os cabelos brancos ainda se mostravam um tanto vaidosos do seu vigor, emoldurando graciosamente as aquelas faces bordadas de rugas.

 Suas mãos eram mapas de gelhas, salpicadas de largas sardas acastanhadas mas ainda com alguma destreza. As pernas é que já não tinham a agilidade de antigamente e os pés arrastavam ligeiramente pelo chão.

No entanto, o seu porte era ainda contornado de certa virilidade.

 Cansado de olhar as grandes vespas do jornal, pois a vista para pouco mais dava, levantou-se do puído sofá, outrora verde, adornado de outonais folhas castanhas, saindo em direcção ao jardim perto de sua casa.

 Enquanto caminhava lentamente, nesse fim de tarde, ouvia os pássaros num cântico murmurado de saudade pelos apetecidos dias de verão.

 Manuel sentou-se num banco de madeira pintado de verde, debaixo de uma grande amoreira. As folhas fustigadas por ligeira aragem, cantarolavam nostálgicas melodias de despedida, e num recato de fim de tempo caíam uma a uma, no seu amarelo envelhecer, enquanto se ofereciam dóceis , em tapetes macios, aos pés daquele homem.

 Na relva verdejante, bandos de crianças corriam e gritavam, como pássaros acabados de aprender a voar, no seu entusiasmo de brincadeiras que só a elas diziam respeito.




Banda «Os Magnatas» - L'amour Enterdit. - Por Se-Gyn


Banda «Os Magnatas» - L'amour Enterdit. - Por Se-Gyn 

 Andei publicando uns textos com o título de «Standards - as músicas que me balançam», falando de músicas que ouvi e, que por algum motivo ou outro, me impressionaram e guardei na memória. No último texto, fazendo um comentário da música «Je t'aime... moi non plus», fiz referência à banda de baile que existia em Turvânia / GO, que existiu até o começo dos anos 90.

«Os Magnatas» eram remanescentes de uma época em que toda cidade tinha lá a sua banda de baile - febre que começou lá pelos anos 60 e que só acabou com a chegada da animação de festas com som mecânico e, depois, o aparecimento da figura dos DJs e, enfim, o chamado «som automotivo».

Na última e mais duradoura formação, a banda tinha Braizão no baixo, Pelé nas guitarras, Paulão nos teclados, Tonho Baguá na bateria, todos egressos de outras bandas e histórias de vida.

 Pelé, veio de longe - havia uma lenda em torno de uma suposta participação sua na banda RC-9, antes de começar a ter problemas com o alcoolismo. Braizão andou longe, mas era da cidade. Tonho Doideira, era de Rio Verde/GO. E Paulão, se não me engano, também tinha nascido na cidade.

 Quando criança, eu e a turma gostávamos de passar na casa do Braz, voltando do banho no ribeirão dos Moleques, para ver os ensaios. Sempre estavam lá, no meio de um enrosco medonho de fios e tomadas, ensaiando música nova - ou velha (para corrigir certas mancadas, das quais vou falar daqui um pouquinho), entrementes os choques que levavam, tentando regular os amplificadores valvulados.



Natal - Texto de Maria Alvaro


Natal - Texto de Maria Alvaro

 Aí está vindo ele na sua longa viagem do Pólo Norte!!!...

Os Shoppings e as lojas de rua já estão engalanados, prontos para o receberem e lhe venderem os presentes que ele irá distribuir pelos que se governam na Vida muito bem... ou um pouco menos bem...mas que se governam, de alguma maneira...

Haja parangonas, árvores de luzes tremeluzentes e coloridas, enfeites variados de cor vermelha, branca, dourada ou prateada! Haja bacalhau e/ou peru! Não podem faltar o arroz, as passas e as lentilhas (para dar sorte!), empanadilhas e fatias douradas, vinhos, champanhes e todos os tipos de manjares dos céus! Haja azevinho!

Haja presépio, que o Menino Jesus já vai estranhando tanta árvore em sua substituição!...Haja música.. nas casas e nas ruas repletas de enfeites luminosos!

Haja Festa! E, sobretudo, haja familiares que estejam amistosos e bem humorados! Sim, porque este é um período propício a explosões depressivas em muita gente!....
 Ah, a festa da Família!!! O tradicional ritual religioso que é suposto comemorar o nascimento de Jesus, mas que, no entanto, hoje, responde, sobretudo, aos insistentes apelos do mercado, representando, na maioria dos lares ocidentais, pouco mais do que uma excitante troca de compras bem pagas, que o Papai Noel/Pai Natal, já cansado de tão longa jornada, delega confiante nas mãos dos familiares.

Estes os depositam charmosamente na base das árvores de Natal e, depois de uma ceia bem degustada e devidamente regada pelo néctar de Baco, passam a proceder à entrega dos lindos pacotes, que repousaram, até então, ansiosos pela chegada às mãos de seus destinatários.


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sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Prosa Poética de Maria Petronilho - Olhinhos de água


Prosa Poética de Maria Petronilho - Olhinhos de água



A nuvem menina, que se condensara na fria alvorada, abriu os olhos de água e espreguiçou-se em respingos de alegria, fazendo brilhar arcos íris cada vez que um raio de sol nascente lhe tocava.

 Arremessou a capa branca de algodão e debruçou-se curiosa, lá do alto.

 Viu o chão cinzento e negro, até onde a vista alcançava.

 Boiava num azul límpido e fundo.

 Achou estranho o contraste entre a alegria lá no alto e a tristeza que avistara ao longe.

 Um menino muito loiro espreitava no horizonte, sacudindo a cabeleira fulgente, e ria, ria… a desafiá-la para brincar.

 Mas de cada vez que se aproximava, a nuvenzinha ia ficando mais pequena.

 Lembrou-se da escuridão que vira e sentiu muita pena.

 Chegou-se mais perto do chão, onde galhos moribundos lhe estendiam os braços, talos amarelos em clareiras na calvície tostada, espinhos…




Preferências vocabulares - Por Arlete Deretti Fernandes


Preferências vocabulares - Por Arlete Deretti Fernandes 

 Fato provado é que falando ou escrevendo deixamos transparecer a nossa preferência para certos vocábulos ou torneios de expressão.

Afirmou o cronista Francisco Pati no antigo CORREIO PAULISTANO, que «quando se escolhe a obra completa de um escritor para uma romaria às regiões do estilo, acabamos descobrindo predileções vocabulares que constituem ou acabam constituindo verdadeiros «cacoetes».

O jornalista estava a ler «OS POBRES» do grande escritor português Raul Brandão e achou-lhe uma elegante preferência pela palavra dedada, citando alguns exemplos que aqui escrevo:

Ao descrever um banco de hospital, diz que há nele «nódoas de sangue, dedadas de aflição e suor de desgraçados que se entranhou na madeira».

Outra questão: «De que ruínas se constroem estes seres que o destino marcou com dedadas trágicas?».

Mais este: «Só a morte ainda restava intata, sem dedadas na sua roupagem negra, com todo o seu mistério e toda a sua beleza».

O próprio Pati disse o porque da preferência: «A predileção explica-se pela sua arte de escultor. Raul Brandão vive, com efeito, a dar dedadas nos seus personagens, para acentuar-lhes a expressão das respectivas máscaras.»

Quem ouviu ou leu Dom Aquino Correia percebeu logo a sua preferência para certos modos de dizer que bem o caracterizavam dentre os demais escritores ou oradores. Eram muito frequentes nele, por exemplo, os ...que se me dá, os dir-se-ia, os em meio a, os em flor e outros.



 

Poesia de Ivone Boechat - Natal; Ceia de Natal; As velas do Natal


Poesia de Ivone Boechat - Natal; Ceia de Natal; As velas do Natal

 

Natal



No dia do Natal
 tudo amanhece
 exatamente igual;
 o céu espera
 que você acorde
 muito diferente;
 isto você alcança,
 sendo o maior símbolo
 de mudança:
 sendo luz,
 com o propósito
 de viver daqui pra frente
 de maneira tal
 que ao olharem pra você
 as pessoas se lembrem de Jesus.

(Amanhecer 4ª.edição)


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Poesia de José Carlos Moutinho - Navego em mim; Versos sem sentido; Anseios


Poesia de José Carlos Moutinho - Navego em mim; Versos sem sentido; Anseios

 

 Navego em mim

 

 São sombras, são murmúrios
 que me invadem o sentir
 num silêncio doce de afago,
 abraçam-me na minha solidão
 e aconchegam-se na minha alma!

Calam fundo as minhas palavras,
aquelas palavras esmorecidas
 pelas tardes vazias da minha vida,
 que perderam a voz da serenidade
 e se tumultuam em inquietudes,
 que só os luares dos meus anseios
 iludem com a utopia das estrelas!

Alvoradas das minhas Primaveras
 nascem pálidas, cansadas, sem sol,
 turvadas pela luz diáfana das quimeras,
 perdem-se nas maresias sem farol!

Navego em mim pelas veias do meu rio,
 fluxos vermelhos da minha essência,
 por vezes cálido, outros com muito frio,
 sou tenaz timoneiro da minha existência,
 desistir é fraqueza, continuar é desafio,
 encontrarei o remanso da minha resiliência

José Carlos Moutinho


quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Poesia de José Manuel Veríssimo - Trazido pelo Mar - ou para alguém que chegou a ser muito especial; Razões; Lá do Oceano Indico ou Sobre uma noite na Internet


Poesia de José Manuel Veríssimo - Trazido pelo Mar - ou para alguém que chegou a ser muito especial; Razões; Lá do Oceano Indico ou Sobre uma noite na Internet



Trazido pelo Mar - ou para alguém que chegou a ser muito especial

 

Vieste navegando
 No barco da vida
 A descoberta……….
Quem dera um pouco que fosse
 De carinho
Nesse convés de descrença
 Em vez de um grito rouco
 Uma mão aberta
 Que acendesse
 Devagar
 Assim de mansinho
 Uma esperança
 Ainda que pouca
 Alguém que achasse
 Um trilho
 Ou mesmo um caminho
 Para uma das dimensões
 Onde a loucura não fosse louca

 Sobre um período do final do ano de 2001 em Lisboa
 Seixal, 19/07/2009


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Poesia de Maria Alvaro - Solidão; Paixão; Eu percebo...


Poesia de Maria Alvaro - Solidão; Paixão; Eu percebo...



Solidão

Solidão crua
Indigesta,
Solidão de festa.
Solidão nua,
De rua,
Acuação funesta.
Se é tudo o que resta,
Solidão em casa é pua
E molesta.
Solidão que presta
é solidão com a lua...
Ela apazigua...
O sonho acentua...
E o Amor manifesta!...

Maria Alvaro



O João e a Filó - Conto de Daniel Teixeira


O João e a Filó - Conto de Daniel Teixeira 

Os dentes dele batiam de uma forma que o assustava, mas era sempre assim. Não era porque estivesse muito frio, de facto a sala estava sempre bem aquecida, naquela temperatura ideal para um dia de inverno, tinha-o sentido quando se despira e quando a enfermeira abrindo a porta um pouco, sem olhar muito para ele, lhe tinha perguntado se já estava despido.

Sim, estava! Disse com uma resposta rápida, como se tivesse receio que ela entrasse mesmo e visse o seu corpo, um pouco magro, mas de qualquer forma não excessivamente magro para a sua idade jovem.

Tenho de comer mais dizia muitas vezes mas o apetite faltava-lhe e agora estava ali, numa consulta, porque a sua mãe tinha dito ao médico que não compreendia porque é que ele estava naquele estado como se o estado dele fosse alguma coisa de grave.

Fui sempre assim, dizia ele tantas vezes à mãe, e ao pai que também lhe ralhava e que achava que havia coisas que ele não devia fazer porque era demasiado fraco. Deixa que eu levo – dizia-lhe o pai quando se tratava de carregar algo mais pesado na loja, pronunciando este deixa que eu levo como se ele fosse um inútil ou estivesse num processo pronunciado de decadência, ele que tinha quinze anos, mal feitos.

O médico dissera que não devia ser nada mas que era melhor ver acrescentando um misterioso nunca se sabe…nunca se sabe como (?) ele não era Médico (?) deveria saber pois então (!!)…mas não sabia e tinha-o mandado tirar uma radiografia aos pulmões, outra radiografia, mais uma radiografia, que raio de coisa, dizia para si mesmo: eu não estou doente nada, só não tenho tanta fome assim e faria uma vida normal se não fosse a mãe estar sempre com o come rapaz ou o pai com aquelas tiradas parvas do deixa que eu levo até nos embrulhos pequenos porque estavam carregados de ferragens e isso era muito pesado para mim, pelo menos era o que o pai dizia.


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PROSA POETICA POR ILONA BASTOS - Olhares


PROSA POETICA POR ILONA BASTOS - Olhares 

 Tudo se resume a um olhar sobre o mundo e ao desvendar das maravilhas que encerra.

Já em criança o fazia: colhia flores, apanhava pedrinhas, folhas, conchinhas, e trazia-as para casa.

Acabavam, depois, por secar entre as folhas de um livro, perder-se ou ir parar ao cesto dos papéis, essas jóias tão acarinhadas. Agora não! Encontrei um cofre, que é este blog.

Aqui coloco as folhas e as flores que trouxe da rua. Aqui os guardo, expondo-os aos olhos do mundo, os vídeos que me comoveram, as músicas que me deliciaram, os excertos de livros que se me tornaram inesquecíveis.
 Eis, portanto, as minhas jóias - o meu cofre!

Encanta-me, claro, a folha amarelecida presa na orelha do cocker spaniel que me olha, inocente, sério, tão embrenhado no seu papel de cão felpudo e focinhudo, de longas orelhas e pêlo dourado! O seu olhar… e o seu olhar… tão ponderado e prudente.

O que era aquele olhar?
Era o de um ser inelutavelmente destruído?
Ou de alguém, ainda há pouco despertado de um pesadelo,
 que se concilia lentamente com a vida?
 Perguntou-me: «é para nós?»
 Acenei que sim e estendi os braços.


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ALEXANDRE O’NEILL E O SURREALISMO - Por Liliana Josué


ALEXANDRE O’NEILL E O SURREALISMO - Por Liliana Josué 

 MOVIMENTO SURREALISTA

 Não se podem estabelecer datas rígidas em relação ao desenvolvimento humano, seja qual for a perspectiva. As viragens rápidas , quanto a mim, não existem, pois qualquer estudioso do seu desenvolvimento não consegue fazer cortes radicais. Há sim evoluções menos ou mais rápidas, assim sendo, a passagem do Realismo/Futurismo para o Surrealismo aconteceu com alguma brevidade mas a seu devido tempo.

Considera-se o início do Movimento Surrealista com o francês André Breton e o Manifesto Bretoniano em 1924, extinguindo-se em 1969, dando-se desta forma inicio a outro novo ciclo cultural intitulado Pós-Modernismo.

Em Portugal surge mais tardiamente com António Pedro. Para alguns estudiosos é determinante o ano 1942 com a obra do mesmo intitulada «Apenas uma narrativa»; outros valorizam o ano de 1947 com a formação do Grupo Surrealista de Lisboa, cujos fundadores foram: António Pedro, José Augusto França, Cesariny, Alexandre O’Neill e outros. Começaram por se reunir na pastelaria Mexicana, mas o local de encontro de maior destaque para os surrealistas foi o café Gelo.
 Em 1960 este movimento foi considerado extinto



ALEXANDRE O’NEILL

 Nasceu em Lisboa a 19 de Dezembro de 1924 e faleceu em Lisboa a 21 de Agosto de 1986.
 Teve antepassados irlandeses mas era filho de António Pereira de Eça e O’Neill , tendo como profissão bancário e de Maria da Glória Vahia de Castro, dona de casa.
 Em 1944 fez o primeiro ano da Escola Náutica de Lisboa, mas devido à sua miopia não lhe será concedido o certificado marítimo. Não continuou os estudos tornando-se quase um autodidacta .



Poemas de Sá de Freitas - COMO SINTO UM ADEUS; HEI DE ENCONTRAR; LUTES


Poemas de Sá de Freitas - COMO SINTO UM ADEUS; HEI DE ENCONTRAR; LUTES

 


 COMO SINTO UM ADEUS

 

 O adeus é prenúncio de ansiedade
 Que surgirá nascida de uma ausência...
é princípio de angústia... é evidência
 De prantos que virão com intensidade.

 O adeus é um sentir de vacuidade,
é o interromper de uma convivência,
é um padecer com a triste permanência,
 Da grande dor que traz uma saudade.

 O adeus é esperança de um retorno;
é sensação terrível de abandono;
é temor do que inda não surgiu.

é apreensão que a alma mortifica;
 Sonho de também ir, para quem fica;
 Vontade de regresso à quem partiu.




quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

OS DENTES DO SOBA - Conto de Gociante Patissa


OS DENTES DO SOBA - Conto de Gociante Patissa

Em Outubro de 1945, um arrolamento extraordinário estava na iminência de ocorrer na Ombala de Tchiaia, capital de cinco aldeolas plantadas no cimo de montanhas vizinhas, que mais se pareciam com dedos de uma mão tentando tocar o céu: Pedreira, Kandongo, Samangula, Kawio e Tchiaia, hoje pertencentes à comuna do Sambo, município da Tchikala Tcholoanga, na província do Huambo.

 Ia ao rubro a ansiedade na Ombala, como de costume em véspera de arrolamento. Cada família procurava catanar a idade dos filhos, o que contribuiria na diminuição dos impostos, o mesmo acontecendo com o número de animais domésticos. Menos posses, melhor. O que restava fazer só dependia da visita do Chefe do Concelho, branco português conhecido por observar ao mínimo pormenor até mesmo os pelos de um porco.

Andava intrigado o Chefe do Concelho com a notícia do registo de dezassete óbitos em oito meses. E de nada o convenceram as justificações das autoridades, que atribuíam tal azar ao aparecimento do dragão, que fora visto por poucos sobrevoando o caminho do cemitério.

 Era fenómeno raríssimo no meio rural, mas havia na aldeia uma mulher (chamada Kutala) em condições de dar conta do recado em matérias de recenseamento. Fora logo cooptada para o posto de secretária-tradutora-dactilógrafa da Ombala. Despachava diretamente o expediente com o Soba.

 Nascida doentia, Kutala vivera a sua adolescência sob os cuidados de missionárias, tendo com elas aprendido as práticas de dactilografia, costura, doméstica e o domínio da gramática portuguesa. Mas com o desabrochar dos seios e o surgimento de sonhos eróticos — que ela não sabia se gostava ou se odiava —, Kutala convenceu-se de não ter vocação para madre, optando por abandonar a residência. Não era de ser pretendida por qualquer um, dada a sua capacidade de análise crítica, embora não fosse cheia de «não me toques».




A Santa e a Leitoa - Crónica / Causo de Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS


A Santa e a Leitoa - Crónica / Causo de Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS

Prequeté, prequeté, prequeté!. E a charrete subia a rua principal.

Na boléia, mascando um pedaço de bom fumo goiano, ia o Souza, legítimo africano de quatro costados. Pouco abaixo de seus pés, entre as rodas murchas do pneu careca e à sombra, ia o Viajante; um querido e legítimo canino puro-sangue tomba-latas. Vez ou outra alguém gritava para ele: - dia Souza!, ao que ele apenas murmurava um «dia» de muito mau grado.

 O Souza trazia na parte traseira da charrete, enrolada dentro de um saco de aniagem, a Neguinha; uma leitoa que foi criada dentro de casa, junto com os gatos e os cachorros da casa do Souza. Pois é, a pobre da Neguinha estava indo para o sacrifício, ou seja estava sendo doada pelo Souza ao Padre Tito, vigário de Passa - Tempo, sendo a pobre uma das prendas que seriam rifadas na quermesse. Três quartos de hora depois, e novo prequeté, prequeté, prequeté... .

 Na boléia o Souza, olhos cheios de lágrimas a responder: «dia»', entre uma cusparada e outra , e entre um esfregar de olhos e outro. O Souza estava chorando!.

Todos em Passa - Tempo gostavam do Souza, e ao vê-lo chorando, perguntavam-se: o que teria acontecido?. Parou a charrete na venda dos Signorini, e depois de meia garrafa da branquinha, contou para a platéia formada de compadres e o vendeiro, a razão do choro. Foi o seguinte o que contou o Souza:


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Fofocar é mesmo uma grande arte! - Texto de Miriam de Sales Oliveira


Fofocar é mesmo uma grande arte! - Texto de Miriam de Sales Oliveira 

«Eu tenho uma grande arte: eu firo, duramente, aqueles que me ferem...»
Rubem Fonseca

Será que todos fazem, todos gostam, todos praticam? Será que tem coisa melhor que a vida dos outros? Meu pai dizia que é pecado fofocar, mas, é divertido. Uma fofocazinha de vez em quando apimenta aqueles tediosos jantares em família, é muito salutar numa igreja – entre um padre -nosso e outro – e, na política então, nem se fala, ou melhor, fala-se a todo momento.

 Por que faz sucesso? Porque assim você tem a ilusão de estar vivendo a vida do outro, principalmente se o outro é uma celebridade e você, o piolho no rabo do cachorro vira - lata. Então, vamos fofocar? E é uma sensação tão agradável, parece que a gente se apodera da vítima, ao mesmo tempo em que se vinga da sociedade madrasta que a transformou numa «personagem»enquanto lhe deu, no palco da vida, o papel de zé-ninguém.
 _ Vamos espalhar, logo, essa fofoca, pois amanhã pode ser mentira e não ter mais graça.

 Fofoca é o nome engraçado de mexerico, maledicência, fuxico, bisbilhotice, mau – caratismo, más línguas e, muitas vezes, um sinónimo de inveja.
 _ Se não posso ser como ele, vou desmoralizá-lo!

 Mas, esse comportamento de lavadeira, chamado fofoca, só vai adiante porque, ouvidos semelhantes ao do fofoqueiro se comprazem em ouvir e espalhar. Asa pessoas ouvem e espalham sem se preocupar em conferir a fonte como fazem os bons jornalistas.
 A indústria da fofoca acabaria num piscar d’olhos se o ouvinte chegasse até a vítima e dissesse:
 _ Olha, estão espalhando esse mexerico sobre você, quero ouvir a sua versão.
 Pronto, acabava ai. Ou não?



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