quinta-feira, 3 de julho de 2014

Reclusa - Conto de Virgínia Teixeira Antunes - Segundo lugar em Prosa nos III Jogos Florais dos Bonjoanenses (2014)


Reclusa - Conto de Virgínia Teixeira Antunes - Segundo lugar em Prosa nos III Jogos Florais dos Bonjoanenses (2014)

Não nasci para ser reclusa, mas hoje aqui estou, encerrada numa cela escura onde entrei pelo meu próprio pé. Nasci nos campos floridos da minha terra, debaixo de uma árvore onde a minha mãe se sentou a descansar numa tarde de calor.

Não nasci para ser reclusa, enterrada no silêncio ensurdecedor destas paredes de pedra fria e impenetrável, mas aqui estou, já tão habituada ao silêncio que, quando um pássaro canta mais alto pela fresta da pequena ranhura da minha cela a que chamam janela, acordo do mais profundo sono.

Cresci numa terra alegre onde a música se ouvia nos campos, canções ritmadas pensadas para fazer esquecer o cansaço das colheitas, e aprendi a murmurar melodias a todo o instante, como a minha mãe fazia. A minha mãe era feliz, disso não deixava ninguém duvidar. Sorria todo o dia e cantarolava mesmo quando estava na pocilga a tratar dos animais. Acordava todos os dias num instante, como se não pudesse esperar para começar o dia, e no seu andar podia adivinhar-se uma dança prestes a despertar.

Não nasci para ser reclusa, à mercê dos outros, constantemente a ter de imitar o que outros fazem, e nunca poder ser «Eu», eu que sempre disse tudo o que pensava, e corria para o topo do monte onde só os pastores mais destemidos levavam os rebanhos de ovelhas, só porque de lá, podia ver o mundo todo aos meus pés.

Não, não teria pensado por um instante que um dia só conseguisse vislumbrar um recorte do topo do monte, porque a estreita ranhura da minha cela a que chamam janela, a mais não me deixa. E daqui nunca saio, desta cela feia e escura, deste lugar de almas sofridas. 



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