quinta-feira, 3 de julho de 2014

Jornal Raizonline nº 252 de 2 de Julho de 2014 - COLUNA UM - Daniel Teixeira - A paragem por causa de uma bola


Jornal Raizonline nº 252 de  2 de Julho de 2014 - COLUNA UM - Daniel Teixeira - A paragem por causa de uma bola

Levámos mais tempo a fazer este número, a organizar, a completar uma lista razoável e diversificada de publicações por causa do futebol, ou seja, por causa de uma bola, que é redonda, por sinal.

Pessoalmente admito ter a maior parte das culpas neste atraso, mas também pensei que durante este período não haveria assim tantos leitores tal como não houve assim tantas colaborações a que tivéssemos acesso.

Pela minha parte não consegui acabar um conto e uma análise literária e tenho ainda durante este período mais duas ou três coisas em carteira mental que entrarão na linha da minha produção quando acabar os meus trabalhos que referi acima.

Mas tudo se faz e nem tudo vai mal neste nosso mundo: o número de publicações na nossa página do Facebook aumentou e diversificou-se consideravelmente, o número de visualizações do jornal sofreu uma baixa, como já dei a entender atrás, mas em compensação estamos a estabilizar um número razoável de colaborações e de colaboradores.

Não vou escrever muito mais esta semana. Ficará  para a próxima um texto mais longo e com maior interesse, penso eu.

 Que tenham uma boa semana são os meus desejos.

 Daniel Teixeira 

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Poesia de Pedro Du Bois - União; Horas; Atualizar


Poesia de Pedro Du Bois - União; Horas; Atualizar





 União

 

 Unidos

em pontos

extremados: desatinos

alteram destinos



retornam

das buscas

dos tesouros

e se dependuram

nas paredes



perdem seus espíritos

na inquietude da viagem: malas

desfeitas bilhetes devolvidos

raivas enclausuradas em permissões.



Extremos aproximam

sinas em ensinamentos.


(Pedro Du Bois, inédito)




Reclusa - Conto de Virgínia Teixeira Antunes - Segundo lugar em Prosa nos III Jogos Florais dos Bonjoanenses (2014)


Reclusa - Conto de Virgínia Teixeira Antunes - Segundo lugar em Prosa nos III Jogos Florais dos Bonjoanenses (2014)

Não nasci para ser reclusa, mas hoje aqui estou, encerrada numa cela escura onde entrei pelo meu próprio pé. Nasci nos campos floridos da minha terra, debaixo de uma árvore onde a minha mãe se sentou a descansar numa tarde de calor.

Não nasci para ser reclusa, enterrada no silêncio ensurdecedor destas paredes de pedra fria e impenetrável, mas aqui estou, já tão habituada ao silêncio que, quando um pássaro canta mais alto pela fresta da pequena ranhura da minha cela a que chamam janela, acordo do mais profundo sono.

Cresci numa terra alegre onde a música se ouvia nos campos, canções ritmadas pensadas para fazer esquecer o cansaço das colheitas, e aprendi a murmurar melodias a todo o instante, como a minha mãe fazia. A minha mãe era feliz, disso não deixava ninguém duvidar. Sorria todo o dia e cantarolava mesmo quando estava na pocilga a tratar dos animais. Acordava todos os dias num instante, como se não pudesse esperar para começar o dia, e no seu andar podia adivinhar-se uma dança prestes a despertar.

Não nasci para ser reclusa, à mercê dos outros, constantemente a ter de imitar o que outros fazem, e nunca poder ser «Eu», eu que sempre disse tudo o que pensava, e corria para o topo do monte onde só os pastores mais destemidos levavam os rebanhos de ovelhas, só porque de lá, podia ver o mundo todo aos meus pés.

Não, não teria pensado por um instante que um dia só conseguisse vislumbrar um recorte do topo do monte, porque a estreita ranhura da minha cela a que chamam janela, a mais não me deixa. E daqui nunca saio, desta cela feia e escura, deste lugar de almas sofridas. 



Contos breves - Abilio Pacheco - Ritornelo; Tirando da gaveta; Falando água


Contos breves - Abilio Pacheco - Ritornelo; Tirando da gaveta; Falando água

Ritornelo

 

 Todos os dias ordenava que se lhe contassem aquela história da reconquista. Sempre dormia e esquecia o enredo no dia seguinte. Mesmo que lhe dissessem tê-la ouvido ontem, não lembrava sequer de ter pedido que contassem.

 Décadas atrás, por retaliação, a propriedade fora invadida, o dono assassinado a facadas durante o sono e a mulher violentada e deixada inconsciente num ermo qualquer. Uma vintena de anos mais tarde, o filho daquele mal - feito, alimentado a leite e ódio, voltaria para vingar-se.

 Nunca alteravam o grosso da história; mas mudavam um ou outro detalhe: o herdeiro dia entrava pela janela, dia arrombando a porta, dia escondido num barril, dia se passando por mascate para depois lhe desfechar uma punhalada na cabeça.


quarta-feira, 2 de julho de 2014

A garagem - Conto de Daniel Teixeira


A garagem - Conto de Daniel Teixeira

Ah! Como os carros eram bonitos, todos brilhantes, alinhadinhos, tão alinhados que pareciam ter sido ali metidos com as mãos como os carrinhos em miniatura das colecções, com os espaçamentos calculados quase ao milímetro e as riscas brancas cuidadosas a delimitar cada pneu, todas elas direitinhas, encostadas aos rodados todas à mesma distância, talvez vinte centímetros ou mesmo trinta para cada lado, e a realçarem do solo, quase como se tivessem espessura e não fossem antes um minucioso tracejado de tinta sem falhas.

 Lindo, simplesmente lindo - repetiu para si mesmo. Estava contente, e tinha razões para isso. Ao fim de quase dois anos a penar no desemprego tinha-lhe surgido aquela oportunidade e era o seu primeiro dia naquele emprego.

 Um amigo da Faculdade, daqueles amigos que não esquecem os amigos nunca, tinha-lhe falado de uma vaga na empresa onde trabalhava: era uma coisa para desenrascar - disse-lhe - ser vigilante na garagem era a mesma coisa que não fazer nada, era estar atento simplesmente, ser simpático com as pessoas e andar por ali...e ele andava ali, naquele primeiro dia e via os bonitos carros, via a geometria perfeita do lugar. Impecável, simplesmente impecável, tudo impecável.

 O amigo era um quadro superior na empresa, tinham sido colegas na faculdade, tinham tirado o mesmo curso e tinham acabado no mesmo ano. Depois cada um foi para a vida dele. A vida do Quaresma tinha corrido bem, a dele não tanto ou quase nada, mas não interessava agora, tinha um emprego, tinha um salário e o Quaresma segredara-lhe que as pessoas costumavam dar gorjetas, por vezes, dependia dos dias, da disposição dessas pessoas: ele só tinha que se mostrar prestável para além de se mostrar simpático e de estar «sempre sorridente» - acrescentara o Quaresma - «sempre a sorrir, percebes? - é meio caminho andado para a gorja ».

E ele mostrava um belo sorriso, quase igual àquele que tinha nos tempos de Faculdade e que tanta miúda lhe garantiu...«mas lá tens de me tratar por Dr. Quaresma - e essa coisa de termos andado juntos na Faculdade não interessa andares a dizer, aliás não interessa sequer que digas que andaste na Faculdade.» - rematou. Tudo bem - respondera, o que lhe interessava é que aquele amigo, daqueles que nunca nos esquecem lhe tinha arranjado um emprego

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Anatomia do beijo - Prosa poética de Joaquim Nogueira


Anatomia do beijo - Prosa poética de Joaquim Nogueira

 

«…coloco um beijo na palma da minha mão e olho-o para o estudar, para o entender, para saber algo mais sobre ele…

a sensação é apenas de toque suave dos meus lábios na palma da minha mão… nada mais retenho que o saber que senti a minha pele tocada pela minha própria boca… preciso saber mais sobre o beijo… examinar minuciosamente de forma a sentir o beijo como algo físico, palpável, real…

então, aproximo-me de ti e olho-te nos olhos, nesses olhos que brilham dentro de mim como se tu não estivesses ali mas aqui, como se tu fosses parte do meu ser… toco-te com as minhas mãos nos teus ombros e dou um passo em direcção a ti… tua face serena, abre-se num sorriso…

levo a minha mão aos teus cabelos e acaricio-os deslizando na seda dos mesmos… os nossos corpos encostam-se ao de leve num toque global presente sem ausência de sentidos, bem pelo contrário, com os sentidos todos em alerta… olho a tua boca entreaberta nesse sorriso que me encanta e seduz… és luz… és sol… és brilho em meu redor… humedeço meus lábios e aproximo-me lentamente da tua face… toco com eles ao de leve na pele que reluz perante o meu olhar… sinto o sal… um sabor leve a mar… 




Previsões para amanhã - Por Marcelo Pirajá Sguassábia


Previsões para amanhã - Por Marcelo Pirajá Sguassábia 

 Os garis de Copacabana não divisarão nenhum navio no horizonte, nem horizonte que recicle o lixo de suas vidas. A enfermeira de plantão lerá «As Intermitências da Morte»e acabará morrendo de tédio ao virar a página 153. Na sala ao lado, a caneta do médico falhará quando estiver prescrevendo Viagra ao paciente.

 O velho Hermógenes do 302 irá cortar o cabelo, a barba, o bigode, a carne, o iogurte, os remédios e o talco para chulé porque a aposentadoria não vai dar pra tudo isso. Os milhares de japonesinhos que nascerem prematuros terão os olhos mais puxados para as mães que para os pais, e todos eles dominarão os recursos do novo Playstation antes de completarem dois anos. O carteiro receberá uma carta apaixonada, mas a remetente não será correspondida. O vestibulando fará teste vocacional e descobrirá que não presta pra nada.

 O juiz da nonagésima vara sairá mais cedo pra pescar. A reforma agrária ganhará terreno e deixará os latifúndios em estado de sítio. Um relojoeiro da Região Metropolitana de São Paulo irá bater com as dez, um verdureiro de Mairiporã irá pro vinagre, alguma Inês será morta e uma doceira será cremada.

 O leiteiro flagará a esposa dando de mamar para o encanador. A vendedora de panelas se casará com um cabo e ganharão de presente um conjunto inox de meia-tigela. Sem ter por que e com quem lutar, o almirante de esquadra dispensará as tropas e passará a Playboy em revista. O jornalista preservará suas fontes, mas investigará a fundo a greve dos chafarizes. Um padre de vocação vacilante largará a batina por culpa de uma fiel demasiadamente carismática.

 O serial killer deixará digitais no Cereal Kellogg’s. O campeão de xadrez receberá como prêmio um xeque sem fundos. Os donos de livrarias venderão poucos exemplares de auto-ajuda, mas terão um bom retorno sobre «O Capital». A vaca Mocha irá ruminar a dor de ver seu bezerro acompanhado de alface, queijo, molho especial, cebola e picles no pão com gergelim. Enquanto isso, as fábricas de mortadela abocanharão novas fatias de mercado.

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um livrinho precioso - Texto recolhido em «As Leituras de Madame Bovary»


um livrinho precioso - Texto recolhido em «As Leituras de Madame Bovary»

«A própria localização do Pátio Maldito era estranha, como se tivesse sido calculada para aumentar as torturas e os sofrimentos dos presos (frei Petar voltava muitas vezes a isto, tentando descrevê-lo).

Do pátio nada se vê da cidade, nem do porto, nem do arsenal abandonado lá em baixo na margem do estreito. Só há o céu, imenso e cruel na sua beleza e, ao longe, um canto verdejante da margem asiática, do outro lado do mar invisível, e o vértice do minarete de uma mesquita desconhecida ou da copa de um cipreste gigantesco, atrás do muro.

Tudo indeterminado, anónimo e alheio. Assim, um estrangeiro tem a sensação constante de estar numa ilha diabólica, longe de tudo o que até então para si significava vida, e sem esperança de em breve tornar a reencontrá-la.

Os presos de Constantinopla sofrem ainda um outro castigo, aquele de não ver nem sentir nada da sua cidade: estão lá, mas é como se estivessem a cem dias de viagem; e essa lonjura aparente atormenta-os como se fosse real. Por todas estas razões, o pátio, rápida e insensivelmente, dobra um homem, subjuga-o de tal modo, que acaba por se perder. Depressa se esquece de tudo o que aconteceu e pensa-se cada vez menos no que acontecerá; assim o passado e o futuro fundem-se num único presente, na terrível e insólita vida do Pátio Maldito.




Poemas de Mário Matta e Silva - Noturnos; é tempo de Primavera; Ir e voltar nas gaivotas


Poemas de Mário Matta e Silva - Noturnos; é tempo de Primavera; Ir e voltar nas gaivotas



Noturnos

 ó breve escuridão do meu sentir
 Em náuseas profundas construída
 Na amarga desilusão sem um provir
 Efémero compasso que é a vida.
 De tudo me revolto e me lamento
 Sem encontrar ânimo, vontade, nem alento!
 ó forma geométrica de meus sonhos
 Na teia construída em meu redor
 São formas gigantescas, seres medonhos
 Que me assaltam de espanto e de pavor.
 Na vasta imensidão da noite escura
 As velas tremelicam numa dança noturna!
 ó vibrações rondando o pensamento
 Tão negro, tão perverso na sua teimosia
 A noite não tem fim no soprar do vento
 E os cânticos ressaltam da poesia.
 Quanto mais me dobro e suspiro no meu leito
 Mais a noite me sangra dentro do peito!
 ó rósea madrugada em esperança vã
 Espreguiçada volúpia feita desejo
 Na espera caprichosa desse amanhã
 Que me quer abraçar e dar-me um beijo.
 Em notas musicais de sedução
 Há reconforto no ritmo solene do coração.

27 de Junho de 2014

MARIO MATTA E SILVA

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Crónica de Gociante Patissa - AS PARTIDAS DO ELISEU


Crónica de Gociante Patissa - AS PARTIDAS DO ELISEU 

 A pior das partidas que nos pode alguém chegado pregar é, certamente, partir.

Eliseu Mondi Pedro Figueiredo confunde-se com a língua inglesa, à qual viria a dedicar duas décadas de auto-didactismo, chegando a dar aulas no terceiro nível dos Bambus na Catumbela, onde residia, e mais tarde no católico Instituto de Ciências Religiosas de Angola (ICRA), no bairro da Caponte, Lobito, onde veio a residir. O extrovertido, criativo e brincalhão Mr. Elisha (pronunciado /elitsha/) abraçou o inglês por influência do irmão mais velho, dos poucos tradutores benguelenses no contexto de emergência, resultante do fracasso eleitoral de 1992, a época dourada da ONU e demais agências internacionais de caridade.

Já na sexta classe, dava o Eliseu nas vistas pelo vício das contagens em voz alta, qual récita a Shakespeare, pelos corredores da escola Comandante Dangereux, na Catumbela. E pregava bwé de partidas aos colegas, eles que mal sabiam o que era o verbo «To Be». De sorte que quando o conheci na sétima classe, onde começava o ensino de inglês antes de surgir essa coisa chamada de reforma educativa, foi com o inevitável receio de lidar com ele, pois era reinante o espírito de competição entre os falantes. A empatia foi à primeira vista!
 

Poemas de Liliana Josué - PARTIDA/CHEGADA; PRIMAVERA - TRILOGIA


Poemas de Liliana Josué - PARTIDA/CHEGADA; PRIMAVERA - TRILOGIA

 

 PARTIDA/CHEGADA

 

 (Poema dedicado a todos os que chegam ao nosso país na esperança duma vida melhor e aos que partem de Portugal para outros países igualmente na esperança de encontrar duma vida melhor)

 

 Há o sorriso na alegria de chegar
 ou uma lágrima na saudade de partir
 um apego mesmo despegado é apego

aquele simples e vulgar «bom dia»
 balbuciado com ou sem intimidade
 é sempre uma forma surda de existir
 ou até a maneira discreta
de abrir uma nesga da nossa porta secreta
 sempre fechada ao desconhecido

mas o tempo avança sem pudor
 os lugares mudam
 a gaveta duma nova esperança é aberta
 enquanto a vida no calor da existência
procura e encontra novos pontos de consolo.

E volta o sorriso na alegria de chegar
 ou uma lágrima na saudade de partir.




Poesia de Sylvia Beirute - Premissa de tempo ; Ilusões conclusivas; Página em branco; Definições


Poesia de Sylvia Beirute - Premissa de tempo ; Ilusões conclusivas; Página em branco; Definições


 Premissa de tempo



 começo onde acabas, ou onde estás quase a terminar, ou ainda
 onde já acabaste mas tens uma palavra a dizer.
 começo onde acabas e acabo onde acabas ou numa
 das outras hipóteses. } sou exígua e o meu tamanho
 varia consoante as tuas premissas de tempo.
 neste lugar a respiração é imaginada e assim queimada
 pelo sol, o meu corpo assim apaziguado ouve uma
 sombra exaustiva e perpétua como o outono caótico
 dentro de um sonho infinito. um dia, quando atingirmos
 o ponto zero, começaremos de novo a existir, sem que ninguém
 comece ou acabe onde o outro comece ou acabe,
 e, sobretudo, sem que haja palavras que falem.

Sylvia Beirute